Evaristo de Miranda, Engenheiro Agrônomo do Ano 2021
O engenheiro agrônomo e pesquisador Evaristo de Miranda, ex-chefe geral da Embrapa Terrirorial, foi eleito Engenheiro Agrônomo do Ano 2021 pela AEASP.
Formado em Engenharia Agronômica na década de 1970 pelo Institut Supérieur d´Agriculture Rhône-Alpes, em Lyon, na França, Miranda tem mestrado e doutorado em Ecologia pela Universidade de Montpellier. Ele ainda fez especialização em Agronomia Tropical, em Paris.
Durante três anos, morou no Níger, na África, onde desenvolveu pesquisas em uma zona rural, retornando ao Brasil a convite da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1980, onde participou e coordenou mais de 40 projetos de pesquisa e seus estudos serviram como base nas modificações do Código Florestal. Também na Embrapa, implantou e dirigiu três centros nacionais de pesquisa.
Miranda foi coordenador na Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais da Presidência da República, professor do Instituto de Botânica da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Membro de várias sociedades científicas, atuou como consultor da ONU na Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, a Rio-92. Com mais de mil artigos científicos e de divulgação publicados no Brasil e exterior, é autor e coautor em mais de 50 livros em vários idiomas.
Em dezembro, o engenheiro agrônomo encerrou o mandato de seis anos como chefe-geral da Embrapa Territorial, unidade da qual ele participou da criação há mais de 30 anos. Hoje, o centro é uma referência no conhecimento e monitoramento da atribuição, ocupação e uso das terras no Brasil.
Nesta entrevista, Miranda fala de sua carreira, sobre a agricultura e a preservação ambiental no país e comenta o título que recebeu da AEASP.
Por que optou por estudos em agronomia? Há engenheiros agrônomos na sua família?
Não há agrônomos em minha família. No início dos anos 1970, eu estava na França. Minha intenção profissional era a de atuar no campo da economia agrícola. Pretendia estudar economia e depois me especializar no mundo rural. Eu era amigo de Luís de Sena, um padre, sociólogo e intelectual brasileiro do Instituto de Pesquisas, Formação e Educação para o Desenvolvimento (IRFED) de Paris. Ele me convenceu de um outro caminho. Para conhecer mesmo o mundo rural, segundo ele, eu deveria fazer estudos em engenharia, agricultura e só depois me especializar em economia. E assim foi.
Contudo, meu mestrado e doutorado acabou sendo em Ecologia, um tema emergente e ainda pouco conhecido naquela época.
Como foi seu início de carreira?
Meu doutorado em Ecologia Terrestre foi sobre as relações entre desequilíbrios agrícolas e ecológicos em regiões semiáridas no Níger, um país africano. Ali, trabalhei e coordenei por três anos vários projetos de um programa internacional de pesquisa, logo no início de carreira. Estava tudo traçado e encaminhado para uma carreira científica num instituto de pesquisas da França. Foi quando a Embrapa me convidou para dirigir um programa nacional de pesquisa na região semiárida do Brasil. Ela contava com minha experiência em avaliação integrada de recursos naturais e socioeconômicos da agricultura em regiões tropicais, adquirida em consultorias em vários países africanos e em meu doutorado. Como diziam na época: o Evaristo trocou Paris por Petrolina.
Quando passou a se dedicar ao monitoramento territorial?
Em meu doutorado na Universidade de Montpellier, utilizei tecnologias emergentes de sensoriamento remoto e geotecnologias no mapeamento da agricultura, no monitoramento de áreas rurais e da dinâmica territorial e tecnológica da agropecuária. Instalei na Embrapa Semiárido, o primeiro laboratório com equipamentos para tratar imagens de satélites. Os resultados obtidos ajudaram no conhecimento e desenvolvimento da agricultura de sequeiro e da irrigação no semiárido. As aplicações eram muitas. Em Petrolina, recebemos centenas de agrônomos, pesquisadores, técnicos, atores do agronegócio, secretários e ministros da Agricultura e até dois presidentes da República.
Qual a contribuição do produtor rural na preservação da vegetação nativa no Brasil?
O mundo rural brasileiro representa mais da metade do território do país e diz respeito a mais de 450 milhões de hectares de terras, dos quais apenas metade é efetivamente utilizada e explorada. São mais de 70 milhões de hectares com lavouras e florestas plantadas; cerca de 160 milhões de hectares com pastagens e mais de 280 milhões de hectares dedicados à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais. Dados quantificados, imóvel por imóvel, município por município. Esse total representa 33,2% do território nacional. Ou seja, o mundo rural preserva um terço do Brasil. E utiliza, em média, 49,4% da área dos imóveis rurais. Caso único no planeta, o agricultor brasileiro utiliza, em média, apenas 50% de suas terras. O resto é dedicado à preservação da vegetação nativa, cumprindo a legislação ambiental.
O senhor deixou a chefia-geral da Embrapa Territorial em dezembro. Como foi essa transição?
As chefias dos centros de pesquisa da Embrapa são definidas a partir de um processo público e aberto, constantemente aperfeiçoado, em que se avaliam tanto as competências e a qualificação dos candidatos quanto os seus planos de trabalho e suas propostas para desenvolver os centros de pesquisa num mandato de seis anos. Esse processo obedece, também, aos requisitos estabelecidos na legislação federal sobre as estatais no Brasil. A transição foi organizada pela diretoria da Embrapa seguindo esse processo, com as restrições impostas pela pandemia, sobretudo para as audiências públicas. O agrônomo e doutor Gustavo Spadotti e seu plano de trabalho foram aprovados para direcionar e gerir a Embrapa Territorial nos próximos seis anos. Ele tem origem no mundo rural, formou-se em Botucatu, é conhecido na Embrapa, já atuou na Amazônia, em particular no Amapá e Roraima, tem ótimo relacionamento com diversos atores e associações do agronegócio e participa de redes na comunidade científica e acadêmica. O protocolo de transição foi implementado sem problemas e a expectativa com a futura gestão do dr. Gustavo é muito positiva.
Como o senhor resume os seis anos à frente da Embrapa Territorial?
Ampliaram-se, de forma inédita, as informações territoriais da agropecuária e de seu contexto tecnológico. A Embrapa Territorial desenvolveu métodos científicos e sistematizou nos últimos anos, de forma geocodificada, os dados do Cadastro Ambiental Rural de cerca de seis milhões de imóveis rurais e parte das informações de cerca de 5,5 milhões de estabelecimentos agropecuários do Censo do IBGE. Essa unificação de dados em bases cartográficas ampliou, de forma extraordinária, o conhecimento territorial da agropecuária brasileira. A Embrapa Territorial reatou seus laços com o mundo rural e com as demandas de associações agropecuárias, da agroindústria, de empresas da área de logística, máquinas e equipamentos agrícolas, de governos estaduais e municipais, do Legislativo e de organismos ministeriais de planejamento, gestão e execução de políticas públicas e, sobretudo, diretamente, de muitos produtores e lideranças rurais.
Como se sentiu ao saber que foi escolhido como o Engenheiro Agrônomo do Ano pela AEASP?
Foi uma surpresa e é uma grande honra. Na essência, as ciências agronômicas se dedicam a conhecer as leis que regem a produção vegetal e animal. Os resultados experimentais são utilizados no desenvolvimento das inovações tecnológicas por uma razão simples: a natureza responde às nossas perguntas. Basta saber formulá-las. Os dispositivos experimentais dos agrônomos, os protocolos de pesquisa, os estudos de médio e longo prazo, as experiências de campo e a prática acumulada ao longo de anos permitem transformar bigdata em rightdata, em respostas adequadas, operacionais e sustentáveis
aos problemas de agricultores e pecuaristas. Agrônomos não devem transformar-se em meros vendedores de adubos, defensivos, equipamentos ou sementes. Têm competência técnica e científica, ao conhecer as leis que regem a produção, inclusive do ponto de vista econômico, para recomendar soluções adequadas. Essa é a expectativa sobre sua atuação por parte do mundo rural e da Deusa Ceres. Por esse engajamento, até prêmios ela dá.
Quais os seus planos de agora em diante?
“Navegar é preciso, viver não é preciso.” Prosseguirei a carreira de pesquisador, ampliarei a atuação na comunicação das realidades da agropecuária para o mundo urbano, ainda pouco informado e até desinformado sobre o desenvolvimento sustentável da produção vegetal e animal no Brasil e no exterior. Sem muitos planos, verei o que a vida me trará. Trabalho com a agricultura de precisão, não da previsão. O viver dos homens nunca foi preciso. Nem será. O futuro a Deus pertence
Por Sandra Mastrogiacomo
*Entrevista originalmente publicada no Jornal do Engenheiro Agrônomo Edição 323.