Bionergia e outras energias
Avançar sempre, com pesquisa e políticas adequadas
*Prof. José Maria F. J. da Silveira
Brasil, país desacostumado ao sucesso, colheu os frutos de uma correta política de combustíveis renováveis, capaz de articular oferta e demanda com soluções tecnológicas inovadoras e até ousadas.
Note-se que, só a partir de 2002, houve uma sincronização entre a diversificação da produção do complexo sucroalcooleiro e a criação de uma demanda por etanol anidro e hidratado que permitisse ao mesmo tempo gerar o consumo de gasolina E20 ou mais (hoje E27, mas com ameaça de retorno a E18) e de etanol hidratado voltado para carros flex fuel, desenvolvidos em parcerias entre empresas inovadoras e centros de pesquisa públicos.
A política de biodiesel, com seus objetivos múltiplos de substituir diesel de origem fóssil, poluente e emissor de C02 por fontes renováveis do agro e de resíduos e favorecer a produção familiar, deu bons frutos. Criou-se um mercado baseado em leilões de biodiesel e empresas de porte e com inserção nacional. Chegamos ao B12, mas, na esteira da regressão atual, estamos voltando ao B10.
Tornamo-nos um país com uma matriz energética razoavelmente limpa sem ter que enfrentar os custos que uma Alemanha hoje incorre para livrar-se do carvão. Todavia, em paralelo, a experiência offshore da Petrobras e a abertura para a entrada de empresas de prospecção estrangeiras geraram expectativas sobre o pré-sal capazes de confundir o cenário de biocombustíveis.
Ao final do governo Lula, a história era o biodiesel e a busca por tornar o Brasil exportador mundial de etanol. Ao longo do governo Dilma, e também como sintoma de uma crise profunda iniciada em 2008, o gás natural e a exportação de petróleo bruto (assim como a importação de gasolina) nos transformaram em “mineradores” da energia, com todas as suas mazelas.
Daí para frente, vivemos em transe, em confusão na definição de políticas. A regressão na nossa vida atual é tamanha que podemos esperar que alguns líderes do setor sucroalcooleiro venham a público para elogiar a “estabilidade” da produção de açúcar e pronto.
Neste mundo complexo, a pesquisa e o desenvolvimento em bioenergia foram se solidificando e geraram centros de excelência internacional, principalmente pelo esforço continuado da Fapesp em sustentar o Programa BIOEN, desde 2007, com resultados expressivos na geração de conhecimento científico e patentes.
As universidades paulistas criaram o Programa de Pós-graduação em Bionergia, que busca, além da pesquisa, o constante diálogo com companhias inovadoras na área e também empresas que procuram ampliar a escala de seus produtos, como no caso do biogás.
De 24 a 26 de maio, ocorreu, de forma remota, o Biofuture Summit III, associado ao BBEST, uma iniciativa liderada pela professora Glaucia Souza, da USP, reunindo uma ampla gama de pesquisadores na área de bionergia e bioeconomia do mundo, que mostra que o esforço continuado em pesquisa e desenvolvimento gera cumulatividade e resultados inovadores.
A decisão correta de criar uma corporação de pesquisa e desenvolvimento na agricultura ilumina os caminhos da indústria, como a criação da Embrapa, o que, para muitos, seria surpreendente. Mais do que fruto de uma decisão burocrática, o sucesso da Embrapa deve-se à persistente prática de centenas e milhares de pesquisadores em todo o Brasil de realizarem pesquisas com foco em problemas relevantes do agro, dialogando tanto com as corporações mundiais quanto com os atores regionais locais.
O mesmo deve ser pensado para a bioenergia, que, como mostrei, tem esforços de pesquisa, desenvolvimento e criação de mercados inovadores muito mais recentes. Sem foco e persistência, nada frutifica.
Poucos anos atrás, a grande divisão estava em definir políticas de sustentação da bionergia (mandatos, subsídios, financiamento à pesquisa) e promover o enfrentamento das oscilações dos preços dos combustíveis fósseis.
Isto continua até o presente momento, com o lançamento do criativo Renovabio. Agora, um novo front de incerteza e discussão se inicia, motivado pela emergência do carro elétrico.
Novas questões, novos desafios: aceitar carros movidos a baterias recarregáveis ou promover o desenvolvimento de células combustíveis alimentadas de etanol, uma solução avançada para que carros elétricos aproveitem tudo o que já desenvolvemos. “Viver é muito perigoso”, disse-me o professor Luiz Horta, “quando um problema é resolvido, outro se cria”. Assim é o mundo, que demanda pesquisa, organização e aceitação permanentes dos desafios. As soluções óbvias constituem o caminho para o desastre.
* Prof. José Maria F. J. da Silveira é eng. agrônomo pela ESALQ (1976). Doutor em Economia pela Unicamp, prof. do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Núcleo de Economia Aplicada, Agricultura e Ambiente do Instituto de Economia, NEA++, membro do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar em Energia da Unicamp, NIPE