Resíduos urbanos como fertilizantes
Compostagem de lodo de esgoto e resíduos vegetais para desafogar aterros e substituir adubos minerais
*Edna Bertoncini
No ano de 2010, com a Lei n° 12.305, sancionou-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), constituindo um marco para a geração e destinação de resíduos sólidos domésticos, agroindustriais, industriais e outros. Após dez anos, inicia-se, em alguns Estados, a construção dos planos estaduais de resíduos sólidos, e o Senado aprova o novo marco legal do saneamento básico, estipulando metas até 2033, de 90% da água tratada e 99% do esgoto coletado e tratado. Concomitantemente, órgãos como o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) revisam as normas para registro, comercialização e uso agrícola de resíduos, como o lodo de esgoto.
A maioria do lodo de esgoto gerado em condições brasileiras é descartada em aterros sanitários, devido à sua restrição de uso agrícola, por apresentar valores de coliformes fecais acima de 103 NMP/grama (um milhão de bactérias Escherichia coli por grama de lodo seco) e outros patógenos e contaminantes. Ressalta-se que resíduos agropecuários usados como fertilizantes, como as camas aviárias, resíduos de bovinocultura e suinocultura apresentam níveis de coliformes fecais e contaminantes iguais ou superiores àqueles encontrados em lodos sanitários.
O pós-tratamento do lodo de esgoto por meio de processos como a compostagem enquadra facilmente o resíduo como classe A, tornando seu uso agrícola seguro.
A compostagem se caracteriza pela mistura de dois ou mais materiais em estado sólido, um deles rico em carbono (C), como as podas de árvores, gramas, palhas e bagaços; e outro rico em nitrogênio (N), como os lodos urbanos e agroindustriais, camas de aves e estercos, de modo que a mistura final perfaça uma relação C/N de 30 a 25:1, e teor de água de 50%, propiciando condições adequadas para os microrganismos iniciarem o processo de decomposição do material orgânico.
O acerto dessa mistura é fundamental para que o processo seja eficiente e não gere odores ou chorumes. Análises químicas das matérias-primas e ensaios preliminares de respirometria são ferramentas utilizadas para o ajuste desses parâmetros.
Estabelecida essa mistura, prossegue-se o processo de decomposição, caracterizado por temperaturas acima de 50oC, que podem perdurar por 90-100 dias, permitindo a eliminação de patógenos e sementes de plantas daninhas.
Nesse período, revolvimentos constantes e a irrigação das pilhas são necessários para expor toda a massa às altas temperaturas e fornecer
água aos microrganismos decompositores. O abaixamento da temperatura da massa compostada caracteriza a fase seguinte, de humificação, caracterizada pela síntese das moléculas orgânicas quebradas na fase anterior e formação das substâncias húmicas, fundamentais para a qualidade do composto gerado.
Entre as inúmeras vantagens do processo de compostagem, destacam-se: redução de patógenos, parasitas, fungos patogênicos e sementes de daninhas, praticamente ao nível de esterilização; redução do teor de água, aumentando raio econômico de aplicação; melhor balanço nutricional; redução significativa de metais pesados e outros contaminantes; geração de matéria orgânica de qualidade, melhorando a fertilidade de solos intemperizados sob condições tropicais e subtropicais.
Sustentabilidade agrícola e ambiental
O projeto Compostagem de Lodo de Esgoto com Resíduos Vegetais para Produção de Composto Orgânico para Uso Agrícola que está sendo conduzido na cidade de Piracicaba (SP) é resultado da parceria entre a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ-USP) e a concessionária Mirante do grupo AEGEA.
O projeto, que teve início em agosto de 2020 com finalização prevista para agosto deste ano, está dividido em duas partes, a de compostagem, coordenada por mim, e a parte de formulação de organominerais com os compostos produzidos, sob a coordenação do professor Paulo S. Pavinato, da ESALQ-USP.
O objetivo é compostar mensalmente 1.200 toneladas de lodo de esgoto e 700 toneladas de poda de árvores e aparas de gramas, destinadas atualmente para aterros sanitários.
Estima-se para o município a produção mensal de 3 mil toneladas de composto orgânico e um aporte mínimo de 18 toneladas de nitrogênio, que poderia substituir, por exemplo, a ureia, com economia de R$ 1,4 milhão anuais, sem considerar outros nutrientes presentes nos compostos orgânicos como P, K, Ca, Mg, S, micronutrientes de plantas e matéria orgânica.
O processo de compostagem dura 60 dias e a decomposição leva cerca de 90 dias, posteriormente, passa-se para a fase de humificação. A Apta realiza a montagem das pilhas de compostagem com diferentes cenários de composição dos resíduos e formas de revolvimento e irrigação das pilhas. O processo está sendo monitorado diariamente e há coletas constantes dos materiais, além de sua análise laboratorial para verificar se o composto está adequado para o uso nas plantações. Ao final, teremos de aprovar o fertilizante no Mapa.
Esse projeto é mais um indicativo de que a interface saneamento básico-agricultura pode representar a sustentabilidade agrícola e ambiental para o Brasil.
*Edna Bertoncini é engenheira agrônoma, pesquisadora científica da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios – Polo Centro Sul e-mail: edna.bertoncini@sp.gov.br