Agro e cientistas se unem em oposição à venda de fazenda em Campinas
A possibilidade de que o Governo do Estado venda uma fazenda de 70 mil metros quadrados em Campinas, interior de São Paulo, deu início a uma mobilização que uniu cientistas, representantes do agro e outros setores. A propriedade abriga um banco de espécies de café que está entre os mais importantes do país.
O que aconteceu
- Pesquisas do IAC (Instituto Agronômico de Campinas) na Fazenda Santa Elisa começaram há mais de 50 anos. O local abriga um centro de estudos que desenvolveu 90% dos tipos de café produzidos hoje no Brasil.
- Agro considera “fundamental” a continuidade de pesquisas no local. Em nota, a Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo) manifestou preocupação e disse que a Santa Elisa teve “papel central” diante da “importância histórica do café no fortalecimento da economia nacional”
- Agricultores temem “impacto na sustentabilidade e competitividade da cafeicultura” com fim das pesquisas. Para Faesp, a eventual transferência das espécies hoje acondicionadas na fazenda para outro local “seria um processo dispendioso e demorado, comprometendo os avanços científicos em desenvolvimento”.
- Procurada, Secretaria de Agricultura confirma “estudos para avaliar a viabilidade de venda”. Em nota, o órgão informou que só após o levantamento definirá se vende ou não a Santa Elisa e outras áreas hoje sob seu controle e que garantir a valorização das pesquisas hoje em curso será uma prioridade.
- “Não dá para ficar se apegando à área”, disse Tarcísio. No último dia 23, Tarcísio de Freitas (Republicanos) defendeu que locais importantes para pesquisa sejam mantidos. “O resto, vamos vender”, disse ele. O fato de Tarcísio não descartar venda da Santa Elisa na ocasião preocupou cientistas e outros setores.
- Cientista nega que área esteja improdutiva. Segundo Helena Lutgens, presidente da APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo), local tem potencial de pesquisa. “Se há outras áreas subutilizadas, isso se dá pelo desmonte e o esvaziamento dos quadros na área de pesquisa”, diz ela.
- Pesquisadora reclama de subfinanciamento da pesquisa em São Paulo. “O esvaziamento do instituto de pesquisa no estado foi muito forte nos últimos 30 anos. Há poucos concursos e redução de quadros, do orçamento e salários que estão há 10 anos sem correção da inflação”, afirma Helena.
- Fazenda abriga espécies que já não existem mais em seus locais de origem. Além disso, o banco de plantas abrigado no local conta com cafés trazidos da Etiópia e outras áreas que hoje não liberam exemplares. Por isso, representantes do agro temem que a venda gere “um prejuízo incalculável” para o setor.
- Propriedade desempenha papel importante para o meio ambiente. Localizada perto do centro de Campinas, do Polo Petroquímico de Paulínia e de um conjunto de rodovias, a fazenda funciona como campo de amortecimento para as emissões de carbono geradas a seu redor.
Possibilidade de negócio movimenta políticos
- Possível venda será tema de reunião com prefeito e de jantar com governador nesta semana. O vereador Gustavo Petta (PCdoB) deve discutir o assunto com Dário Saadi (Republicanos) nos próximos dias. Já o deputado estadual Rafa Zimbaldi (Cidadania) planeja abordar a questão em encontro com Tarcísio nesta segunda.
- Manifesto e abaixo-assinado estão entre ações planejadas. Documentos contra venda da Santa Elisa devem ser divulgados até o fim de novembro e encaminhados ao governador. É possível que vereadores de Campinas também venham à Assembleia Legislativa de São Paulo nas próximas semanas para conversar sobre o tema.
- Negócio foi alvo de moção de repúdio, pedido de informação e ofício ao governador. A moção foi assinada pelo vereador Paulo Bufalo (PSOL). Já o requerimento foi enviado por Zimbaldi. A Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo) enviou a Tarcísio o ofício, para expressar “preocupação”.
- Entre os que acompanham questão, expectativas vão de esperança a pessimismo. Cientistas acreditam que, como a venda ainda não foi confirmada, há espaço para sensibilização — embora ainda não tenham conseguido contato com as autoridades. Por outro lado, o ímpeto privatista de Tarcísio também inspira preocupação.
“A Secretaria de Agricultura e Abastecimento realiza estudos para avaliar a viabilidade de venda de áreas pertencentes à pasta. Somente após a conclusão deste levantamento é que será definida qual ação será tomada. Toda e qualquer decisão tem como premissa garantir que as áreas de pesquisa em andamento sejam preservadas, modernizadas e valorizadas e serão tomadas em conjunto com a diretoria dos institutos e coordenadorias estaduais. A Secretaria reforça que áreas que possuem pesquisa em andamento não serão objeto de alienação ou desmembramento e que a Pasta mantém diálogo aberto com entidades, associações e com as partes relacionadas à questão. ”
Secretaria de Agricultura e Abastecimento, em nota enviada ao UOL
Com a venda do IAC, Tarcísio nega a ciência, nega a economia, e – pasmem! – nega a relação entre ambas; nega também a histórica de um Estado e de um País cuja identidade se constitui em grande parte a partir da cultura do café.
Associação de Docentes da Unicamp, em nota de repúdio à possível venda
Vale destacar que o café da Colômbia, que é uma referência no mercado internacional, é fruto das pesquisas do IAC. O Instituto faz um trabalho grandioso, que precisa ser preservado. Temos expectativa de que o governador reveja essa proposta.
Tirso de Salles Meirelles, presidente da Faesp
Tenho certeza que as áreas utilizadas pelo IAC em pesquisas serão mantidas pelo governo.
Rafa Zimbaldi (Cidadania), deputado estadual
Caso a venda da fazenda seja confirmada, planejamos acionar o Ministério Público e, em último caso, judicializar a situação, já que se trata de uma área importante para pesquisa científica.
Gustavo Petta (PCdoB), vereador
Fonte: UOL