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Abelhas e defensivos agrícolas: equilíbrio possível?

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Abelhas e defensivos: equilíbrio possível?

23 de abr de 2020 Notícias

Desde o início do ano 2000, o Brasil vem registrando morte de abelhas e, no decorrer desse período, os números cresceram assustadoramente.

Somente nos primeiros três meses de 2019, 500 milhões de abelhas morreram segundo levantamento da Agência Pública e Repórter Brasil. Foram 400 milhões no Rio Grande do Sul, 7 milhões em São Paulo, 50 milhões em Santa Catarina e 45 milhões em Mato Grosso do Sul, conforme estimativas de associações de apicultura, secretarias de Agricultura e pesquisas realizadas por universidades.

Em São Paulo, um dos registros mais recentes ocorreu no mês de julho na cidade paulista de Leme, uma perda de 2,5 milhões em um apiário local. Foram 39 caixas, contendo aproximadamente 65 mil abelhas cada.

Os pesquisadores calculam que o número de mortes no país é maior do que o que tem sido divulgado, pois nem todos os apicultores registram as perdas e há também as colônias de abelhas nativas e solitárias.

No segundo semestre de 2018, também no Rio Grande do Sul, mais de 20 milhões de abelhas morreram. Análises químicas efetuadas no mel, nas abelhas, nas crias e favos, a pedido de associações de apicultores locais, verificou níveis abusivos de defensivos agrícolas, sendo dois inseticidas e três fungicidas.

O laudo constatou nos favos com abelhas as substâncias azoxistrobina e aletrina; nas abelhas, foram detectadas as substâncias azoxistrobina, diflubenzuron e fipronil. Já os favos com mel apresentaram as substâncias azoxistrobina, diflubenzuron, tebuconazol e fipronil.

Em linhas gerais, os pesquisadores identificam inseticidas à base de fipronil, usado na lavoura de soja, e neonicotinoides como as principais substâncias capazes de vitimar as abelhas. Hoje, é liberado o uso de 53 agrotóxicos à base de fripronil no país. Mas, em função desses problemas, o Ibama declarou que fará reavaliação do fipronil usando novos estudos.

A queda nas populações de abelhas é um problema no mundo todo, fenômeno denominado como distúrbio do colapso das colônias. Dados da ONU mostram que houve uma diminuição de 3,5 milhões de colmeias nos EUA entre 1950 e 2007. Já na Europa, a redução foi de 37%.

Professor do Departamento de Biologia e pesquisador do Centro de Estudos de Insetos Sociais do IB-Unesp, Rio Claro, Osmar Malaspina estuda as abelhas há 40 anos. Ele comenta que as mortes desses insetos no Brasil se diferenciam dos casos internacionais porque, na Europa e nos EUA, as colônias morrem aos poucos. Aqui, as ocorrências se dão no período de 24 a 48 horas, sintoma característico de mortalidade por agrotóxico, segundo ele. “O estrago tem sido muito grande. Precisamos urgente de ações efetivas para minimizar esse problema”, alerta o cientista.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 75% dos cultivos destinados à alimentação humana no mundo dependem das abelhas.

“Sabemos que as abelhas melhoram a produtividade de mais de 75% das plantas de interesse econômico visitadas por elas. Dessas plantas, mais de 35% são utilizadas como alimento pelo ser humano. Como o grau de dependência da polinização pelas abelhas depende da espécie da planta, obviamente a relação do sucesso reprodutivo da planta com sua interação com as abelhas também vai variar”, detalha Elaine Cristina Mathias da Silva Zacarin, professora na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Sorocaba.

De acordo com a pesquisadora, estudos mostraram que as flores da laranjeira visitadas por abelhas produziam mais frutos. “Houve um aumento de 35%. Além disso, esses frutos eram mais pesados e mais doces, com maior número de sementes por gomo de laranja. Esse é um exemplo brasileiro da importância direta da abelha como agente polinizador na cadeia produtiva.”

Nesse caso, trata-se da “apis mellífera africanizada”, que é a abelha de mel, manejada na apicultura para a venda dos produtos apícolas. A cientista destaca, porém, que no Brasil existem cerca de 1.700 espécies de abelhas nativas. “Vemos o grande potencial que seria o uso sustentável dessas espécies no agronegócio.”

Ela ressalta ainda a importância de abelhas solitárias na polinização da castanha-do-brasil da Amazônia e no açaí da Amazônia. E, no agronegócio, o papel das abelhas sem ferrão para a produção do morango. “São apenas alguns exemplos. Portanto, podemos dizer que a importância das abelhas é sim direta e o declínio de suas populações vai causar um impacto negativo direto na cadeia produtiva do agronegócio”, enfatiza Elaine.

Por fim, toda a cadeia alimentar pode ser afetada com a morte das abelhas, pois as sementes e frutos de plantas polinizadas por esses insetos são alimento de diversas aves, que alimentam outros animais.

Organização e parceria

Pela relevância dessas polinizadoras, entidades ligadas a apicultores, produtores rurais, empresas de defensivos agrícolas, governo e sociedade civil vêm se mobilizando para entender as causas e barrar o problema.

O movimento Colmeia é uma iniciativa do setor de defensivos agrícolas organizado pelo Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). As empresas assinaram um compromisso público com metas até 2020 no propósito de promover o uso correto de defensivos agrícolas. O movimento acredita na complementariedade entre a polinização realizada pelas abelhas e o uso dos defensivos agrícolas.

O maior desafio identificado pela organização é estimular o diálogo entre agricultor e apicultor. A localização e a identificação dos apiários estão entre as prioridades.

Para possibilitar essa comunicação entre os atores envolvidos diretamente com a questão e a sociedade civil, o movimento elaborou o Plano Nacional de Boas Práticas, voltado à prevenção da mortalidade de abelhas e mitigação de incidentes.

Estão inclusas no plano as seguintes iniciativas: assistência técnica, uma linha de telefone 0800, que esclarece dúvidas e compartilha as boas práticas para a prevenção e mitigação da mortalidade de abelhas e que atende agricultores, criadores de abelhas, aplicadores de defensivos agrícolas, distribuidores, revendedores e equipes de vendas das empresas signatárias. Um manual com mais de 70 dicas de práticas agrícolas e apícolas disponível na internet e um guia para o agricultor.  

Também foi criado um aplicativo que leva o nome do movimento. O app facilita o diálogo entre agricultores e criadores de abelhas, identificando as áreas de sobreposição de atividades agrícolas e apícolas. Agricultores e aplicadores de defensivos podem avisar onde e quando vão ocorrer as pulverizações. Criadores de abelhas podem identificar a região dos apiários para receber a agenda de aplicações e saber quais medidas de proteção devem tomar.

Na região de Botucatu (SP), anualmente são registradas perdas entre os apicultores. Para enfrentar o problema, a Associação dos Apicultores de Botucatu estabeleceu parceria com a Usina São Manoel e outros produtores para arrendamento de áreas.

“Os apiários são mapeados e georreferenciados, dessa forma temos um prazo para utilização das áreas com a certeza de não haver, nesse período, nenhum trato na área. Isto dá segurança aos apicultores e preserva as abelhas. Além disso, a Defesa Agropecuária é notificada quando há mortes de abelhas e faz analise do material”, explica Elias Gomes, presidente da associação. 

As ocorrências de morte ainda acontecem, segundo Gomes, em áreas onde eles não firmaram parcerias. “As pulverizações ocorrem nos produtores vizinhos. E há um desconhecimento por parte do apicultor do cronograma de aplicações e também por parte dos produtores da presença de abelhas. Nas áreas próximas à laranja, isto é recorrente”, relata o dirigente.

O representante dos apicultores de Botucatu acredita que as parcerias formais com empresas e produtores rurais é o caminho para salvar as abelhas. “Estamos firmando arrendamentos em áreas de produtores orgânicos. No caso das empresas, a parceria é possível, pois nós conhecemos o calendário de atividades e temos um tempo sem tratos para a produção de mel”, diz.

Por outro lado, ele defende a necessidade de controlar o uso indiscriminado de agrotóxicos ”para a preservação da vida”. Ele lembra que as abelhas são consideradas bioindicadores. “Portanto, se há mortalidade de abelhas, isso é um indicador da péssima condição do ambiente”, conclui.

Ciência aliada

O Colmeia Viva poiou uma pesquisa realizada durante três anos com a participação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)  e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que traz um mapeamento inédito dos fatores que contribuem para a perda de colmeias e abelhas no Estado de São Paulo.

No período de agosto/2014 a agosto/2017, foram 222 atendimentos voltados aos agricultores e criadores de abelhas, sendo 107 visitas ao campo, onde foram analisadas as práticas agrícolas e apícolas.

O levantamento revelou que 70,8% das abelhas usadas na amostragem apresentam resíduos de agrotóxicos, especialmente das substâncias pirazol (64,7% dos casos), neonicotinoides (29,4% das ocorrências) e a mistura de pirazol + triazol (5,9%).

Desta forma, o estudo evidencia a relação entre a mortalidade de abelhas com o uso incorreto dos defensivos agrícolas em 100% dos casos analisados.

Entre as práticas de uso incorreto de defensivos agrícolas destacam-se: dosagens acima das recomendações indicadas em rótulo e bula; falta do cumprimento das exigências legais para a aplicação de defensivos agrícolas com vistas à proteção ao cultivo nas modalidades aprovadas (aérea ou terrestre); falta de formalização do pasto apícola; emprego incorreto da modalidade de aplicação sem a autorização ou registro de produtos para cultura agrícola.

As regiões que apresentaram maior índice positivo para resíduo são aquelas com predominância dos cultivos de cana, citrus e eucalipto. Ao todo, foram 78 cidades atendidas pelo projeto de pesquisa.

Pesquisa recente, sob a coordenação da professora Zacarin, que reuniu, além de pesquisadores da UFSCar, também Esalq-USP e Unesp, investiga os efeitos sutis, no médio e longo prazo, dos defensivos agrícolas sob as colmeias, ou seja, a ação residual das substâncias, no decorrer do tempo. Uma das observações é que um inseticida encurtou o tempo de vida das abelhas em até 50%.

“Esse estudo realizado pela minha orientada Rafaela Tadei, coordenada por mim, foi muito importante porque constatamos que uma dose letal muito baixa, presente no alimento da larva, pode afetar a abelha em sua fase adulta, e isso é extremamente relevante porque estamos falando de abelhas de mel, apis mellifera, que são abelhas sociais com divisão de tarefas entre as operárias, ou seja, a diminuição de longevidade de indivíduos adultos afeta a dinâmica da colônia como um todo, podendo gerar seu enfraquecimento”, explica a coordenadora.

O trabalho foi feito especificamente com inseticida neonecotinoide, no caso a clotianidina.

Ela salienta que o estudo foi relevante para mostrar quanto uma dose baixa de um agrotóxico pode gerar um efeito tardio, muito após sua aplicação na planta.

O desafio de conciliar o uso de defensivos com a saúde das abelhas, para Zacarin, passa pela “intensificação dos estudos sobre os efeitos subletais dos agrotóxicos e da mistura desses produtos. E relacionar esses efeitos subletais com a avaliação de risco das abelhas, estabelecendo medidas de mitigação para proteger esses importantes insetos polinizadores”.

“Também temos que levar em conta a composição da paisagem nos agroecossistemas. E o que isso quer dizer? Que as áreas agrícolas teriam de manter áreas de vegetação nativa, ou que o produtor aumente a quantidade de plantas, pelo processo de reflorestamento, que sejam importantes para as abelhas, porque elas precisam de locais para nidificar, para fazer seus ninhos.

Ela acrescenta ainda que é preciso diversidade de recursos florais e de recursos hídricos de qualidade. “O manejo adequado da área de vegetação nativa, ou área de reflorestamento, tem de ser na própria fazenda ou no entorno, auxiliando na redução do risco de exposição das abelhas.” Na opinião da especialista, “esse é o caminho”.

No que tange à pulverização aérea, que também suscita muitos debates sobre seus efeitos sob o meio ambiente, o professor Malaspina, da UFSCar de Rio Claro, diz que depende muito do modelo agrícola adotado pelos países. “Na Europa, o modelo é menos extensivo que no Brasil. Então, devido à possibilidade de deriva, a aplicação aérea é muito mais restritiva. No Brasil, devido ao modelo ser bem diferente, usa-se muito mais a aplicação para diminuição de custos. O problema está justamente nessa forma de aplicação. Apesar de toda legislação, normalmente ela é feita sem respeitar os critérios técnicos de controle, visando à proteção da saúde humana e do meio ambiente”, diz.

Ele completa dizendo que não há necessidade de proibir a prática, mas que ela deveria ser restringida o máximo possível. “Obedecer cegamente a legislação e ser muito bem fiscalizada pelo Mapa e outros órgão governamentais. Também acho que é da responsabilidade dos agricultores e das empresa aplicadoras o estabelecimento de uma prática de aplicação mais sustentável, possibilitando a coexistência da agricultura com apicultura e o meio ambiente”, reforça o pesquisador.

O professor Malaspina chama a atenção para a participação dos profissionais da agronomia no processo de conscientização. “Acho que os engenheiros agrônomos têm um papel e uma responsabilidade muito importante nesse questão. Eles precisam ter consciência da importância das abelhas na polinização e no aumento da produtividade das culturas. Saber lidar com os polinizadores e o uso dos agrotóxicos, vai fazer a diferença”, conclui.

O Movimento Colmeia Viva se posiciona favorável à pulverização agrícola, desde que sejam seguidas todas as normas de segurança. Sobre o tema, se manifestam por meio da seguinte nota:

No Brasil, o desafio está no diálogo entre agricultores e apicultores para evitar exposição das abelhas que são colocadas nos cultivos ou próximos a eles para fins de apicultura, porém sem vínculo formal ou contratual entre ambos. Por isso, a localização dos apiários está entre as prioridades desse diálogo e a formalização do pasto apícola, que é a área de forrageamento da abelha, é fundamental e são foco das iniciativas do Plano Nacional de Boas Práticas do Colmeia Viva®. Com o pasto apícola devidamente formalizado, agricultores podem avisar quando houver a necessidade de aplicação de defensivo agrícola. Para tanto, o movimento tem feito parcerias com as entidades agrícolas, especialmente voltadas aos produtores de citrus, soja e cana para a implantação até 2020 de um Plano Nacional via Plataforma Digital que possibilite o diálogo entre agricultores e apicultores nas seguintes áreas-foco: Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul (até o fim de 2018) e Estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia e Goiás (até o fim de 2019). As áreas-foco são estabelecidas com base na interação de critérios de Estados relevantes na produção apícola, regiões agrícolas com culturas reconhecidas por serem exploradas como pasto apícola por criadores de abelhas, regiões relevantes na aplicação de defensivos agrícolas (modalidades aérea e terrestre) e principais regiões envolvidas no registro de perda de abelhas.

Prestação de serviço

Assistência Técnica Colmeia Viva: exclusivo paraagricultores, criadores de abelhas, aplicadores, lojistas e fabricantes de defensivos agrícolas. Atendimento é diário, das 7 às 19 horas para todo o Brasil. Dependendo do caso, a equipe técnica vai até o local para avaliar a situação e propor medidas preventivas ou de mitigação. Entrar em contato pelo 0800 771 8000.

Para acessar o Manual de Boas Práticas: https://www.colmeiaviva.com.br/wp-content/uploads/2019/05/1-Manual-Boas-Praticas-atualizado-2019.pdf , também com vídeo de pouco mais de um minuto: https://www.colmeiaviva.com.br/noticias/colmeia-viva-manual-de-boas-praticas/

Por Adriana Ferreira