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Adidos agrícolas: uma ponte entre o agro brasileiro e o mundo

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Adidos agrícolas: uma ponte entre o agro brasileiro e o mundo

19 de fev de 2020 Notícias

Eles têm a missão de mostrar ao mundo quanto o Brasil é o país do agronegócio e um modelo de excelência. Mas quem são e quando surgiram os adidos agrícolas ? Segundo o Michaelis – Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, adido é “um funcionário agregado à embaixada ou legação de seu país no exterior cuja missão é tratar de assuntos importantes para o intercâmbio entre os dois países”.

Comumente, no Brasil, tínhamos adidos culturais e militares. Em 2010, passamos a ter o adido agrícola, uma figura que desponta no cenário político e econômico de forma a contribuir para o desenvolvimento do agronegócio no país.

O surgimento desse personagem para as exportações brasileiras era uma demanda antiga do setor. Afinal, desde a década de 1970, a agropecuária brasileira passa por um processo evolutivo, fruto de um trabalho conjunto entre governo, setor privado e acadêmicos.

A nova fase da agricultura propiciou reformas estruturais na representação e defesa do agronegócio no Brasil e no cenário internacional. Com esse pano de fundo, após o então ministro da Agricultura e Abastecimento (Mapa) Roberto Rodrigues dedicar-se à causa, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Decreto-lei nº 6464, em 27 de maio de 2008.

Fruto de um longo período de negociações entre o Mapa e o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o decreto estabeleceu normas e diretrizes para a atuação dos adidos agrícolas nas missões diplomáticas brasileiras no exterior.

Já à época, havia a preocupação sobre a linha tênue entre a atuação dos adidos e o trabalho dos membros do MRE. Afinal, ao mesmo tempo em que têm de focar nas questões agrícolas, os adidos não podem se eximir de temas ligados indiretamente ao campo.

Décio Zylbersztajn, engenheiro agrônomo com mestrado e Ph.D. em Economia (North Carolina State University) e mestre em Economia Agrária (Universidade de São Paulo), acompanhou por muitos anos o pleito de lideranças do agro sobre a necessidade dos adidos agrícolas.

Como um dos fundadores do Pensa-USP – Centro de Conhecimento Avançado em Agronegócio ligado à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da USP –, foi ele quem elaborou o tema nos debates realizados e defendeu a necessidade dos profissionais atuantes como balizadores para a elaboração de políticas públicas e estratégias empresariais.

“Durante as negociações dos acordos comerciais internacionais, o Brasil sentiu falta de profissionais que pudessem atuar ao lado do corpo diplomático, com conhecimento específico sobre agricultura”, lembra o professor, que, em 2018, recebeu a láurea de Engenheiro Agrônomo do Ano, concedida pela AEASP na premiação da Deusa Ceres.

Mais que especialista

Os adidos agrícolas são servidores do Mapa nas embaixadas do exterior. Atualmente, estão lotados em 19 países para representar o ministério nos postos diplomáticos.

Eles têm como função defender os interesses do Brasil nos países em que estão lotados, identificar oportunidades de exportação para produtos nacionais, abertura e manutenção de mercados.

Em seu escopo profissional, devem ser capazes de antecipar-se às mudanças constantes nas exigências dos países importadores de produtos agrícolas e de responder, de forma rápida e tecnicamente consistente, aos vários questionamentos feitos pelos parceiros comerciais do Brasil.

“Além disso, eles ajudam a cuidar da imagem do Brasil e do agro brasileiro naquele país, pois têm de estar a par das notícias e enfrentar possíveis críticas aos nossos produtos. Os adidos são responsáveis pelo repasse de informações e pela produção de análises sobre os mercados para produtos agrícolas nas regiões em que se encontram. Ademais, envolvem-se em negociações comerciais, sanitárias e fitossanitárias”, explica Andressa Beig Jordão, coordenadora-geral de Gestão dos Adidos Agrícolas, ligada à Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Mapa.

A atual coordenadora é engenheira agrônoma, piracicabana, formada pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp Jaboticabal e assumiu a posição em abril deste ano. Ela destaca o desafio de o adido agrícola chegar a um país e assumir em uma embaixada.

Uma das atuações da coordenadoria é quando o adido precisa acessar mercados, pois atua como ponte para encaminhar e fazer a aproximação com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), ligada ao Ministério das Relações Exteriores. “Quando já temos representante da Apex no país em que o adido está, é melhor. Mas, quando não, eles precisam muito da nossa interlocução. Nesta gestão, a Apex e o Itamaraty estão muito próximos para evitar contradições no discurso”, ressalta Andressa.  

Para Rodrigo C. A. Lima, sócio-diretor da Agroicone, empresa especializada em comércio internacional do agro, o profissional precisa reunir as habilidades técnicas às políticas. “Na prática, o profissional vai negociar a abertura de mercado, o possível levantamento de barreira, a missão veterinária que vai visitar o Brasil. Portanto, precisa adquirir conhecimento não só na área técnica dele, pois há uma mescla do técnico com o político. Respeitando as atribuições do Itamaraty, informalmente, eu chamaria o adido de ‘um diplomata da agricultura brasileira’.”

Lima ressalta que, em sua visão, a atuação dos adidos e dos representantes do Itamaraty é complementar. “Há uma cooperação muito grande entre o adido e a representação diplomática brasileira no exterior. O Itamaraty é a ponte da relação entre os países, mas a questão técnica é responsabilidade dos adidos, profissionais especializados”, comenta o consultor.

Resultado em pouco tempo

O trabalho dos adidos é relativamente novo, mas já registra avanços significativos. Segundo Andressa, a atuação de um adido colaborou para o acordo firmado entre Mercosul e União Europeia, depois de 20 anos de discussão. “Ter alguém in loco é muito importante, pois o acordo é fruto de um processo negociador”, comemora.

Colher relatos dos desafios dos adidos em seus postos no exterior, discutir estratégias de negociações internacionais, promoção comercial e atração de investimentos e internacionalização das empresas brasileiras foram alguns pontos discutidos no 1º Encontro dos Adidos Agrícolas do Brasil, promovido em setembro pelos ministérios da Agricultura e das Relações Exteriores e pela Apex.

Porém, o destaque foi a rodada de conversa com o setor privado. “Tivemos mais de 250 demandas de entidades do agro, para resolver problemas e demandas nos países em que os adidos estão lotados. A Apex também trouxe representantes de alguns países. Isso ajudou os adidos a esclarecerem questões com os representantes da Apex nessas localidades”, comenta a coordenadora, ao mencionar o resultado da aproximação inédita, que, inclusive, contou com a presença da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Em pouco tempo, é notória a vantagem que a atuação dos profissionais proporciona ao agronegócio.

“Os adidos agrícolas têm uma importância fundamental hoje, não só para as ações do Mapa, como para as do Brasil em geral. Com esse projeto, passamos a ter profissionais com conhecimento técnico diferenciado nas embaixadas para ampliar a participação do Brasil no agronegócio internacional”, destaca o coordenador-geral de Temas Sanitários e Fitossanitários (CGSF), Leandro Diamantino Feijó.

A detecção de um caso atípico de EEB, doença popularmente conhecida por vaca louca, em um abatedouro no Mato Grosso, foi um bom exemplo da atuação dos adidos agrícolas e do amadurecimento do Mapa como um todo. Logo após a confirmação da doença por análise laboratorial, todos os adidos receberam informações técnicas do Ministério e instruções de como agir junto às autoridades sanitárias de cada país.

“A atuação dos adidos foi fundamental para que nós conseguíssemos desenvolver as ações necessárias e de maneira rápida e precisa”, conta Feijó.

O diretor da Agroicone reforça o papel desses profissionais. “Em um exemplo hipotético, se eu tiver um problema com certificado sanitário numa cidade da China que não tenha representação diplomática, até se iniciar uma conversa já passou uma semana. É importante ter um especialista que conheça as regras, saiba com quem falar, transite com as autoridades locais, com o setor privado e consiga fazer a conexão com o Brasil. Se vai ter uma missão brasileira no local, o adido tem de sugerir a entrada de temas na agenda que sejam oportunos naquele país.”

E o professor Décio Zylbersztajn sintetiza a atuação dos adidos como geradora de importantes ações nos campos da tecnologia, dos mercados com potencial impacto no desenho das políticas públicas e das estratégias setoriais e corporativas.

Mudanças e desafios

Conforme a coordenadora-geral de Gestão dos Adidos Agrícolas, nesses quase dez anos, as mudanças no dinamismo do comércio agrícola internacional impactaram diretamente o trabalho do adido agrícola. Por isso, ele precisa estar muito atento às mudanças que ocorrem no mundo, do ponto de vista das negociações de produtos agrícolas entre os países. Um exemplo é o possível acordo entre os EUA e a China, que pode impactar as exportações de produtos agrícolas.

Para potencializar a ação desses profissionais, o professor da ESALQ-USP sugere a criação decanais de fluxo continuado de informações nos dois sentidos.

Novo processo seletivo

Em dezembro deste ano, será concluído o processo seletivo que incorporará seis novos adidos. Assim, o Brasil encerrará 2019 com 25 adidos lotados em 23 países. Por conta da grande demanda, China e Bélgica (União Europeia), que hoje contam com um adido cada, terão dois profissionais.

Para participar do processo seletivo, o candidato deve estar em exercício no Ministério da Agricultura e ser servidor público federal ou empregado público ocupante de cargo efetivo. O mandato do adido é de dois anos e pode ser prorrogado por mais dois.

Segundo Décio Zylbersztajn, o adido deve ser fundamentalmente um observador do ambiente econômico, social, tecnológico e político, e capaz de identificar tendências e ameaças ao fluxo de comércio e relações internacionais que envolvam o agro.

“Enquanto atuação profissional, os adidos deveriam manter o perfil técnico. Como cidadãos, somos seres políticos também, porém não vejo esta como sendo a função desse profissional”, diz o professor da USP, que teve relacionamento com gerações de adidos agrícolas de diferentes países, em especial da Holanda, que atuaram no Brasil. “Aprendi com o modelo holandês, que tem características peculiares. Os profissionais costumam iniciar a função ainda jovens, circulam por vários países e, ao final da carreira, podem retornar para o mercado como profissionais com funções estratégicas no setor privado ou no governo.”

A faixa etária dos adidos agrícolas é de 40 anos, são casados e geralmente vão com a família para os países em que atuam, e precisam estudar muito. “A experiência dos adidos faz com que eles, ao retornarem para a carreira tradicional, se tornem profissionais mais qualificados e hábeis para trabalhar em cargos mais elevados”, acrescenta Rodrigo Lima.

Na visão do sócio da Agroicone, “quanto mais cargos de adidos, melhor para o país”. “Claro que não precisamos ter um adido para cada país, mas acho que estamos em um caminho bom.”

Lima alerta ainda que “devemos estar com o radar ligado, pois a grande demanda de alimentos do mundo já vem e virá cada vez mais forte do Sudeste Asiático”, por isso é importante que os profissionais interessados em fazer carreira como adido aprendam o idioma mandarim.

Quem são e onde estão lotados os 19 adidos

1 –  Maria Eduarda de Serra Machado – Bangkok (Tailândia)

Médica veterinária formada pela Universidade Federal Fluminense.

2 – Priscila Rech Moser Pinto – Buenos Aires (Argentina)

Formada em Medicina Veterinária. Além de gestão pública, possui experiência em empresas multinacional, laboratório agropecuário e agronegócio.

3 – Cesar Simas Teles – Cairo (Egito)

Graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade Rural do Rio de Janeiro e mestrado em Ciência e Tecnologa de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa. Cursou doutorado em Engenharia Agrícola pela Feagri/Unicamp.

4 – Marcus Vinicius Segurado Coelho – Bogotá (Colômbia)

Graduado em Agronomia com mestrado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília.

5 – Tiago Charão de Oliveira – Hanói (Vietnã)

Graduado em Ciências Habilitação Química (Licenciatura) pela Universidade Luterana e doutorado em Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

6 – Gustavo Bracale – Jacarta (Indonésia)

Formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP) e especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.

7 – Bivanilda Almeida Tápias – Cidade do México (México) 

Engenheira agrônoma formada pela Universidade de Viçosa (UFV-MG).

8 – Luis Henrique Barbosa da Silva – Missão Permanente junto à OMC, em Genebra (Suíça)

Engenheiro agrônomo formado pela UNB e bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É mestre em Direito Internacional Econômico Europeu pela Universidade de Maastricht, da Holanda.

9 – Guilherme Antonio da Costa Junior – Bruxelas (Bélgica) – Missão Permanente junto à União Europeia. Formado em Medicina Veterinária, foi o primeiro brasileiro eleito à presidência do Códex Alimentarius.

10 – Cosam de Carvalho Coutinho – Moscou (Rússia)

Engenheiro agrônomo graduado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

11 – Dalci de Jesus Bagolin – Nova Délhi (Índia)

Formado em Agronomia e mestrado em Defesa Vegetal pela Universidade Federal de Viçosa.

12 – Luciana Pimenta Ambrozevicius – Ottawa (Canadá)

Engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Viçosa com mestrado em Fitopatologia pela UFV e doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas pela ESALQ.

13 – Jean Carlo Cury Manfredini – Pequim (China)

Médico veterinário formado pela Universidade Federal de Lavras.

14 – Jesulindo Nery de Souza Junior – Pretória (África do Sul)

Engenheiro agrônomo pela Universidade de Brasília e bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal. É mestre em Direito das Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub).

15 –  Nilson Cesar Castanheira Guimarães – Rabat (Marrocos)

Graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras com período de ‘graduação sanduíche’ na Clemson University South Carolina e mestrado em Agroquímica pela Universidade Federal de Lavras.

16 – Marcel Moreira Pinto – Riade (Arábia Saudita)

Graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo e graduando em Administração pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

17 – Gutemberg Barone de Araújo Nojosa – Seul (Coreia do Sul)

Doutorado em Fitopatologia – Agronomia pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), é assessor no Gabinete da Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio.

18 – Marcelo de Andrade Mota – Tóquio (Japão)

Graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa e doutorado pelo Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

19 – Luiz Claudio de Santana e Caruso – Washington (EUA)

Economista com especialização em Gestão do Agronegócio.

Fonte: Jornal do Engenheiro Agrônomo, Ed. 310 

Texto: Adriana Ferreira e Caroline Rodrigues

Foto: Guilherme Martimon (Mapa)