Batata-doce: Sinônimo de versatilidade
A batata-doce (Ipomoea batatas) é uma hortaliça nativa das Américas Central e Sul, pertencente à família botânica Convolvulaceae. Apesar dos nomes parecidos, pouco tem a ver com a batata inglesa (comum). Enquanto a doce é uma raiz tuberosa, como a mandioca e a cenoura, a comum é um tubérculo.
No Brasil, a principal forma de consumo da batata-doce são as raízes frescas, preparadas de diferentes formas: cozida, assada ou frita, no preparo de pratos salgados, doces e aperitivos. Ela também é consumida como farinha e fécula. Na alimentação animal, a hortaliça pode ser utilizada como ingrediente nas rações para bovinos e suínos.
Embora a planta tenha origem no continente ocidental, os maiores produtores do mundo são os países asiáticos, sendo a China o país que produz maior quantidade de batata-doce: em 2017, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a produção chinesa ultrapassou 72 milhões de toneladas.
Em termos percentuais, ainda segundo a FAO, a Ásia responde por 70,5% da produção mundial, seguida da África com 24,6%, América com 4%, Oceania com 0,8% e Europa com 0,1%.
Já no território nacional, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, a produção brasileira de batata-doce foi de 741.203 toneladas. Rio Grande do Sul, São Paulo, Ceará e Paraná concentraram 62% da produção nacional da cultura.
Em São Paulo, o município de Presidente Prudente foi o segundo maior produtor nacional e o primeiro no Estado, com 51.773 toneladas.
“As microrregiões de Presidente Prudente e Araçatuba são as principais produtoras, concentrando cerca de 64% da produção estadual de batata-doce. Entre 2017 e 2018, houve expansão tanto na área plantada como nas quantidades produzidas pelas duas microrregiões.
Entretanto, esse comportamento não foi visto em todos os Estados do país. A produção nacional, por exemplo, diminuiu de 2017 para 2018”, explica Ricardo Firetti, pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Os pesquisadores não possuem dados suficientes para explicar essa queda.
Mas o Brasil ainda não alcançou todo o seu potencial de produção. O país ocupa a 34ª posição no ranking mundial (FAOSTAT, 2018). “A maioria dos agricultores brasileiros utiliza variedades não melhoradas, comumente adotadas sem avaliação prévia, resultando em baixos rendimentos de raízes e baixa aceitação pelo mercado consumidor. Além disso, a propagação contínua do mesmo material de plantio, que favorece a acumulação sistemática de doenças e degenerescência, especialmente por viroses, associada a sistemas de produção inadequados e condições de solos de baixa fertilidade, leva as variedades a não expressarem seu potencial genético”, explica o engenheiro agrônomo Raphael Augusto de Castro e Melo, pesquisador da Embrapa Hortaliças.
Em São Paulo, os problemas para a expansão da produção não são muito diferentes. Para o pesquisador da Apta, a expansão da produção está atrelada à expansão do consumo com produtos coloridos e de melhor qualidade. “Além do aumento de exportações e, consequentemente, evitando oferta muito acima da demanda, outro fator importante seria a estruturação de novas cadeias de produção dentro de um possível complexo agroindustrial da batata-doce, pois praticamente tudo que é produzido tem a “mesa” como destino. Há necessidade de ampliar esforços de pesquisa e desenvolvimento em
temas relacionados à produção de farelos e farinhas e sua posterior utilização na indústria de panificação e massas secas, por exemplo, assim como avaliar melhor o potencial da batata-doce para a produção de etanol, biodiesel e até mesmo cachaça artesanal”, completa Firetti.
Produtividade da batata-doce em alta
Após um período de estagnação, o mercado da batata-doce vive um momento de evolução. O consumo da hortaliça tem aumentado nos últimos seis anos, principalmente por causa de sua fama de ser um alimento indicado na dieta de atletas. Mesmo assim, o consumo ainda é muito baixo, um pouco mais de 600 gramas por habitante, se comparado com o Uruguai, onde cada habitante consome cinco quilos da raiz ao ano (Embrapa Hortaliças, 2017).
“A produção de batata-doce tem aumentado por conta da demanda crescente, principalmente em função de suas características nutricionais corroboradas por inúmeros estudos científicos. Atualmente, a batata-doce está presente em quase todos os planos de dietas, em virtude de qualidades como o baixo índice glicêmico, o alto conteúdo de fibras e a diversidade de vitaminas. Isso reflete uma tendência no mercado de hortifrúti, influenciado por fatores como o bem-estar, como símbolo de status, o incentivo ao consumo de batata-doce pelos influenciadores das redes sociais, o aumento da demanda por vegetarianos e veganos, a valorização dos produtos locais, dentre outros aspectos”, afirma Raphael Augusto.
O engenheiro agrônomo explica que a raiz é cultivada o ano todo, exceto na região Sul, no período de inverno. “Desta forma, a disponibilidade do produto no mercado é menos sazonal, devido à eficiência do mercado na distribuição a partir das demais regiões produtoras, de forma que não há grande variação de preços ao longo do ano. De maneira geral, no período de verão e outono, pode haver maior disponibilidade de produto in natura no mercado, pressionando
os preços para baixo, porém essa variação tende a ser menor do que de outras espécies mais perecíveis.”
As exportações da batata-doce estão concentradas no Mercosul, principalmente Uruguai e Argentina. Em relação ao bloco Europeu, os dois pesquisadores enxergam a possibilidade de exportação. “Principalmente nos períodos em que os países da América Central e os Estados Unidos têm um menor volume de produção/capacidade de fornecimento. Porém, por se tratar de um mercado exigente, os produtores nacionais devem se adequar aos padrões exigidos, que vão desde o uso de boas práticas, certificadas por meio de programas globais, até o tipo de raízes em termos de formato e coloração preferidos pelos consumidores dos diferentes países que o compõem”, ressalta o pesquisador da Embrapa.
Bom investimento
A batata-doce chama atenção pela sua versatilidade. Tudo na hortaliça pode ser aproveitado: raiz, rama, casca e folhas. Na cozinha, a raiz é usada in natura ou como ingrediente em purês e massas. As folhas podem ser preparadas como salada ou utilizadas na elaboração de farinha para alimentação humana ou ração animal, assim como o caule.
Na indústria, a planta é matéria-prima na fabricação de amido, pães e doces. Outra aplicação é na produção de biocombustível. Algumas variedades de batata-doce têm mais amido em sua composição e produz mais que o dobro de álcool do que a cana. Testes realizados pela Embrapa apontam que uma tonelada de cana-de-açúcar rende no máximo 100 litros de álcool, enquanto uma tonelada de batata-doce produz até 180 litros de álcool.
Em relação ao seu cultivo, o fácil manuseio, o baixo custo de produção, a adaptação às variações climáticas e a resistência da planta, dispensando, muitas vezes, a aplicação de defensivos agrícolas, são os principais fatores que atraem os produtores.
Um deles é Luiz da Silva Rocha, presidente da Associação dos Produtores de Batata-Doce de Presidente Prudente e Região (Aprobarpp), que já produz a raiz tuberosa há 28 anos e aposta unicamente na batata-doce, durante o ano todo, em sua propriedade em Pirapozinho, localizada a 18 quilômetros de Presidente Prudente.
Rocha conta que as variedades plantadas em sua fazenda, e também em toda a região, são Arapey, Beauregard, Sergipana, Roxinha e Africana, sendo esta última a mais comercializada.
De acordo com o produtor, o preço da caixa com 28 quilos de batata-doce é vendido por R$ 20. Em 2013, a caixa de 24 quilos do produto era comercializada por R$ 30, um recorde na região à época.
Mesmo com a queda nos preços, devido à maior oferta, os agricultores ainda apostam na produção da raiz, levando em consideração sua colheita, que pode ser feita por até quatro vezes no ano e, ainda, retardada ou antecipada, dependendo da oportunidade de comercialização.
Plantio seguro
Embora o brasileiro esteja acostumado com apenas um tipo de batata-doce, a de casca roxa com polpa branca, existem variações da raiz com polpa branca, amarela, rosada, roxa e alaranjada.
A batata-doce é a quarta hortaliça mais consumida no Brasil e se desenvolve melhor em condições climáticas quentes. A raiz não tolera o frio e, por isso, não deve ser plantada em períodos de geada. É uma espécie perene, podendo ser cultivada o ano todo (com aproximadamente três meses, já pode ser colhida), sendo o melhor período para plantio entre os meses de setembro e abril.
A planta tem preferência por solos mais arenosos, levemente ácidos, bem drenados e com boa fertilidade natural. Esse tipo de solo facilita o crescimento e a colheita das raízes.
Por causa de sua rusticidade, ela apresenta certa resistência às pragas e, por isso, é possível cultivá-la sem aplicação de defensivos.
No entanto, a cultura pode ser atingida por pragas como a broca-da-raiz, vaquinhas, larva-arame e broca-do-coleto. Já as principais doenças são as que afetam as raízes, como o mal-do-pé, a sarna e a podridão mole.
O melhor combate às pragas e doenças é o plantio de mudas sadias. “No Brasil, o aumento da área plantada e produtividade é um reflexo da adoção de tecnologias de produção recomendadas para o uso de cultivares com maior potencial produtivo e utilização de mudas sadias para implantação da lavoura. Associado a essas novas tecnologias, a adoção da mecanização para as diferentes fases do cultivo, do transplantio à colheita, é também um fator preponderante”, explica o pesquisador da Embrapa.
Pesquisa: melhoramento genético e maior produtividade
Melhoramento genético, maior produtividade, batata-doce mais colorida e com características que agradem a consumidores e produtores rurais são os objetivos de pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Hortaliça e pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta).
O programa de melhoramento genético de batata-doce da Embrapa tem avançado e, em breve, deve oferecer novas cultivares para a cadeia produtiva brasileira. “Clones de batata-doce de polpa roxa estão em fase final de avaliação para o lançamento como cultivar. Um produto para atender ao mercado com uma completa gama de informações técnicas para que se tenha o melhor desempenho do seu potencial genético. Além desses, o programa de melhoramento genético visa à seleção de clones com diferentes opções de produtos funcionais, níveis diferentes de índice glicêmico, além de novos formatos, sabores, cores, açúcares, amido, textura, baixo escurecimento na fritura, resistência a doenças e pragas e bons níveis de produtividade para atender às diferentes regiões brasileiras”, informa o pesquisar Raphael Augusto.
O foco da Apta está na produtividade e nos produtos mais coloridos e atraentes para produtores e consumidores. A pesquisa está sendo desenvolvida no Polo Regional Alta Sorocabana, localizado em Presidente Prudente, desde 2016, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Para a realização do trabalho, a pesquisadora responsável pelo projeto, Amarílis Beraldo Rós, plantou campos de batatas-doces com as cultivares Uruguaiana e Londrina e deixou a natureza agir. Em três anos, foram obtidas sementes botânicas, produzidas naturalmente, do cruzamento entre as variedades plantadas, que geraram plantas de diferentes formatos, sabor, cor de polpa e cor de casca. Segundo a pesquisadora, foram selecionadas as plantas com raízes tuberosas com melhor aspecto e produção para serem replantadas. O resultado foi animador: várias raízes se mostraram muito mais produtivas.
“As melhores produziram mais que o dobro da produção de seus pais Uruguaiana e Londrina. Um deles produziu quase o triplo. O material com a numeração 526 produziu 73 toneladas por hectare de raízes totais (incluindo as pequenas e tortas) e 64 toneladas por hectare de raízes selecionadas para comércio (in natura), enquanto seus pais produziram cerca de 25 toneladas por hectare. Esse material possui a cor de polpa laranja e cor da casca salmão. Mas também foram selecionadas variedades com cor de polpa amarela, branca e bicolores e cascas roxas e rosas”, explica Amarílis.
As plantas selecionadas ainda não foram disponibilizadas aos produtores. De acordo com a pesquisadora, a expectativa é de que, em um ano, os novos materiais sejam apresentados ao setor produtivo.
Por Sandra Mastrogiacomo
Matéria originalmente publicada no JEA 309