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Cervejarias artesanais impulsionam plantio de lúpulo

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Cervejarias artesanais impulsionam plantio de lúpulo

Cervejarias artesanais impulsionam plantio de lúpulo

5 de nov de 2021 Notícias

Um dos quatro ingredientes básicos da cerveja e o responsável por conservar e fornecer o sabor, aroma e amargor característicos da bebida, o lúpulo começa a despertar o interesse dos produtores rurais brasileiros, impulsionado pelo aumento de cervejarias artesanais nos últimos dez anos.  

Como a flor utilizada na fabricação da bebida é importada, muitos produtores viram uma oportunidade no cultivo da planta. De acordo com Alexander Creuz, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), são 127 produtores associados, sendo 16 em São Paulo, que decidiram apostar no cultivo da herbácea.   

O objetivo é fornecer matéria-prima para o mercado de cervejas nacionais, que está crescendo em ritmo acelerado. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em 2017, o número total de cervejarias legalmente instaladas chegou a 679 estabelecimentos. Somente em São Paulo, são 124. 

O resultado das primeiras colheitas, ainda que o cultivo não tenha representatividade, já indica que o lúpulo, popular nos Estados Unidos, Alemanha e China, tem um futuro promissor em terras brasileiras.  

“As produções são muito pequenas. Não existe uma cadeia comercial produtiva no país e ainda não temos dados de áreas plantadas ou quantidade de produção, seja por Estado ou no geral. O que posso dizer é que, no ano passado, o Brasil importou 3.362 toneladas de lúpulo em suas diversas formas. Um número bem significativo e que demonstra que temos bastante trabalho pela frente”, afirma Creuz. 

O lúpulo 

Humulus lupulus L., conhecido popularmente como lúpulo, é uma planta trepadeira, que pertence à ordem botânica Rosales e a família Cannabaceae, a qual também pertence o gênero Cannabis (Cânhamo/maconha). Mas, ao contrário da sua prima, ela não tem o THC, o polêmico componente ativo. É originário do Hemisfério Norte. Segundo dados históricos, o primeiro cultivo da erva data de 736, em uma região onde hoje é a Baviera, na Alemanha.  

 Por ser uma trepadeira, a planta precisa de um suporte para se manter ereta. Ela também apresenta algumas características particulares, como o rápido crescimento, que pode chegar a 30 centímetros em um único dia. Em menos de cinco meses, pode alcançar até 7 metros de altura.  

A parte que desperta interesse comercial é a flor feminina, conhecida como cone. É nele que são encontradas as glândulas de lupulina, que produzem os alfa-ácidos, beta-ácidos e os óleos essenciais, utilizados na fabricação da cerveja, e os definidores das características de cada cultivar. 

O lúpulo é sensível a uma série de pragas e doenças. A mais comum é o míldio. No Brasil, embora o cultivo seja ainda muito recente, já foram relatados casos, além do próprio míldio, de oídio, ácaro e vaquinha verde-amarela. 

Mercado promissor 

Embora a previsão para que a cultura se consolide no país seja entre 10 e 15 anos, o panorama do cultivo do lúpulo é animador. Além do interesse das cervejarias artesanais pela matéria-prima mais fresca, pois o lúpulo importado é de safras antigas e chega processado ao Brasil. Existe o incentivo da produção ser abraçada pela agricultura familiar, por não precisar de grandes extensões de terra e ao bom retorno financeiro. Certas variedades podem ser vendidas por até R$ 1mil o quilo.  

 “Temos um leque muito grande de valores. Os lúpulos mais comuns, que são os mais antigos e não possuem patente, custam entre R$ 100 e R$ 300, é o caso do Cascade. Já as variedades mais novas, por conta dos royalties, são vendidas por valores mais altos e acabam sendo mais atrativas para o produtores. Um quilo dessa variedade é  vendido acima de R$ 400.  Tem variedades da Austrália e Nova Zelândia que são comercializadas por R$ 1.200 o quilo”, explica Creuz. 

 Por se tratar de uma planta perene (não precisa ser plantada a cada nova safra), torna o cultivo da flor ainda mais interessante. Segundo Creuz, nas regiões mais quentes, é possível fazer até três colheitas durante a safra. Já nas regiões frias, apenas uma.  

 “O plantio é feito, geralmente, entre setembro e outubro. Depois de se adaptar ao solo, a planta vai crescer até o fim de dezembro e a sua floração começa em janeiro. Entre março e abril, é feita a colheita e aí a planta entra em hibernação, nas regiões mais frias, recomeçando o ciclo em setembro. No caso das regiões mais quentes, notou-se que a flor não entrou em hibernação, como aconteceu com um associado de Brasília. Depois que ele fez a colheita e o corte da planta, aproximadamente um mês depois, floresceu novamente.” 

No entanto, existem ainda muitos desafios para a expansão comercial. Entraves como a falta de incentivos fiscais, uma legislação mais clara e menos burocracia para obter a autorização do Mapa são alguns deles. Também foram mencionados pelos produtores o alto custo para investir em tecnologias e em equipamentos adequados para todo o processo de plantio, colheita e secagem.    

“Na época de colheita, o custo acaba aumentando por conta da mão de obra. Enquanto uma família de quatro pessoas realiza o plantio, na colheita são necessárias de 20 a 25 pessoas trabalhando sem parar, durante três semanas”, aponta o presidente da Aprolúpulo.  

Para o professor doutor Alexandre Dal Pai, do Grupo de Pesquisa Lúpulo: Pesquisa, Aplicações e Manejo (Lupam), da Faculdade de Ciências Agronômicas – Unesp/Botucatu, a solução está na criação de cooperativas e associações. “O sistema de produção vai desde o plantio até o beneficiamento, este último é um gargalo porque ele é mais caro, precisa de maquinário e, para um produtor sozinho, talvez fique muito caro o investimento. Uma cooperativa ou uma associação é uma boa alternativa para baratear os custos e isso pode deixar o cenário para a cultura ainda mais promissor”, avalia.  

O pesquisador ainda aponta a importância dos estudos voltados para todas as vertentes do lúpulo e o envolvimento de centros de pesquisa. Em 2019, ele foi um dos organizadores do 1º Encontro Brasileiro de Pesquisadores e Produtores de Lúpulo, realizado na Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, campus de Botucatu (SP). “Foi o primeiro evento de peso científico, mas também teve interesse dos produtores. Além das palestras voltadas para esses profissionais, teve a apresentação de cerca de 36 trabalhos científicos. Queremos promover mais eventos como esse para incentivar a pesquisa.” 

 

Lúpulo nacional, sonho ou realidade? 

O Brasil ainda importa 99,9% do lúpulo consumido por suas cervejarias, produzido por países do Hemisfério Norte, onde a baixa temperatura e a irradiação solar são benéficas ao seu cultivo. Sua adaptação ao clima brasileiro é difícil, especialmente pela latitude ser baixa.  

“A cultura do lúpulo começou a ser encarada de uma maneira um pouco mais profissional em 2014. A ideia é mudar esse panorama e fazer com que os agricultores passem a se interessar pelo cultivo do lúpulo para que a gente possa criar uma cadeia produtiva, que ainda não existe. Temos ainda muita coisa a ser estudada. O primeiro entrave é a adaptação da planta, porque é uma cultura que vem do clima temperado. Ela é muito cultivada entre as latitudes de 35 e 55 graus. É preciso adaptar as condições de solo e clima de um país tropical como o nosso”, diz Dal Pai.   

O pesquisador explica que o lúpulo precisa do frio quando entra na hibernação e, na fase de crescimento, precisa de calor, água e muitas horas de exposição solar. “Por exemplo, nessas latitudes que mencionei, tem frio e muita luz. No inverno, é muito frio, então a raiz fica acumulando energia e, quando chega a primavera, por estar em uma latitude maior, tem 14 horas de luz solar, às vezes, até 15. No Brasil, só é possível 12 ou 13 horas, no máximo. Claro que não é impossível produzir aqui. Existem mais de 200 variedades de lúpulo, temos que encontrar uma que se adapte ao território brasileiro.” 

Experiências com o cultivo da planta estão quebrando as barreiras de que esse tipo de cultura é incompatível com países de clima tropical e subtropical. Em 2011, na Serra da Mantiqueira, os experimentos feitos pelo engenheiro agrônomo Rodrigo Veraldi resultaram em uma mutação genética e a planta se adaptou ao clima.  

A experiência de Veraldi serviu de inspiração para o Trabalho de Conclusão de Curso de Técnico de Agronegócio do Senar, realizado por Alexander Creuz, em 2016.   

“Na época, eu estava pesquisando sobre quais assuntos para o meu trabalho. Depois que vi uma matéria sobre lúpulo na propriedade de Veraldi, fiquei intrigado com o fato de o Brasil importar 100% da planta e aí resolvi pesquisar como fazer o cultivo aqui. O TCC acabou virando um plano de negócios e há dois anos tenho uma propriedade em Lages, Santa Catarina, que produz essencialmente lúpulo”, explica o presidente da Aprolúpulo, associação criada em maio de 2018. 

Nesses quase dois anos à frente da Aprolúpulo, Alexander tem observado que as experiências com o cultivo da flor tem sido bastante positivas. “Décadas atrás, por volta dos anos 1950, as tentativas de adaptação não deram certo. Hoje, da forma como vem sendo introduzido, o lúpulo tem se desenvolvido bem em regiões quentes,  como Brasília e o noroeste de São Paulo, por exemplo.” 

Além das pesquisas que vêm sendo realizadas Brasil afora, outro passo importante para o abrasileiramento do lúpulo foi a concessão de registro do Ministério da Agricultura, ocorrida em 2017, para o cultivo comercial das variedades Centennial, Cascade, Fuggle, Hallertauer Magnum, Brewers Gold, Nugget, Northern Brewer e Columbus.  

Já as primeiras mudas, produzidas pela Lúpulus Ninkasi, foram legalizadas em outubro e novembro de 2018. O viveiro, localizado na cidade do Rio de Janeiro, foi o primeiro a receber a autorização para a produção e comercialização de lúpulos no Brasil.   

“Eu acredito fortemente que o lúpulo já é uma realidade no território nacional. Se o trabalho sério e o investimento em pesquisas continuarem assim, em breve teremos resultados muito importantes para a agronomia do nosso país”, finaliza Dal Pai. 

Por Sandra Mastrogiacomo

*Matéria publicada originalmente na edição 311 do Jornal do Engenheiro Agrônomo.