Engenheiro agrônomo CARLOS RAMOS VENÂNCIO
O carioca Carlos Ramos Venâncio é o primeiro engenheiro agrônomo da família. Em junho de 2006, formou-se engenheiro agrônomo pela conceituada Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ-USP, em Piracicaba, interior de São Paulo. Em dezembro do mesmo ano, prestou concurso público para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e, em junho de 2007, assumiu o cargo de auditor fiscal federal agropecuário, juntamente com as funções de representante brasileiro junto às reuniões do Comitê do Codex Alimentarius sobre resíduos de pesticidas.
Sua principal atribuição no Mapa é coordenar o Grupo Técnico sobre Resíduos de Pesticidas no Brasil para discussão dos temas tratados no Codex Alimentarius, além de também estar à frente da área de Agrotóxicos e Afins.
Mas a carreira pública não fazia parte dos planos do engenheiro agrônomo. “Meu objetivo inicial era trabalhar em uma empresa privada na área de insumos agrícolas. Entretanto, surgiu a oportunidade do concurso, e trabalhar no Mapa tem sido uma experiência fantástica”, diz ele.
Especialista em Proteção de Plantas, pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), o engenheiro agrônomo concedeu entrevista exclusiva ao JEA a respeito do uso de defensivos agrícolas no Brasil, um dos temas mais polêmicos da atualidade. Confira.
O Brasil é considerado líder mundial no uso de defensivos agrícolas. Por que utilizamos tanto agrotóxico?
O uso de defensivos agrícolas depende do tamanho da área agrícola ou do quilo de produção. Existe uma pesquisa da FAO que diz que o Brasil utiliza tecnologia com bastante eficiência quando comparado com outras realidades agrícolas. Também é importante afirmar que o Brasil é um país tropical. Na Europa, são três meses de gelo, um controle natural contra as pragas. Aqui temos até quatro ciclos de determinada praga no território nacional. Tem toda uma avaliação criteriosa realizada pelo Mapa, pelo Ibama e pela Anvisa, que está aliada com o que existe de mais moderno quando comparamos com países da OCDE.
O número de defensivos agrícolas com registros concedidos de janeiro a julho de 2019 é de 290. Esse ritmo de liberação é o mais rápido já visto. Por que isso está ocorrendo?
Há dois tipos de produtos básicos que a gente registra: o produto técnico e o produto formulado. A maioria dos produtos que teve registro concedido neste ano está na categoria de produto técnico. Primeiro, é importante frisar que o registro é realizado por três órgãos: Mapa, Ibama e Anvisa. O Mapa é responsável pela avaliação de eficiência agronômica; a Anvisa é responsável pela avaliação dos impactos na saúde humana; e o Ibama avalia os impactos para o meio ambiente. Então, o produto só pode chegar ao mercado se for aprovado por esses três órgãos. Em suma, os principais fatores que levaram a esse aumento de registros foram a reorganização interna da Anvisa e do Ibama. O Mapa também desenvolveu novos sistemas. Essas medidas desburocratizantes possibilitaram o aumento no número de registros.
Como é feita a fiscalização dos órgãos competentes acerca do uso indiscriminado ou inadequado do agrotóxico?
Os agrotóxicos, em média, representam cerca de 30% do custo de produção e o produtor quer usar menos, sempre que possível. O próprio modelo econômico favorece o uso em menor quantidade porque todo dinheiro que deixar de gastar com o pesticida é lucro. Agora, o mercado de ilegal é um desafio para o Brasil. Todo contrabando é sempre um desafio para o Estado.
A fiscalização é fundamental. Tem a educação sanitária, de a pessoa saber controlar aquelas doenças, de entender que os químicos são uma importante alternativa, mas não a única. Existem medidas próprias de tratos culturais, como mexer em espaçamento de plantios e, dessa forma, diminuir ataques de pragas. Tem uma série de ferramentas que podem ser utilizadas para ter o controle eficiente das pragas agrícolas. O Mapa é responsável pela fiscalização da produção, da importação e da exportação. A fiscalização do comércio e uso é de competência estadual, feita pelas agências de defesa estaduais, que fiscalizam as revendas dos produtos, o comércio de receita agronômica, a utilização e o armazenamento nas propriedades agrícolas.
Como garantir que a pulverização aérea siga as regras que impedem a contaminação de áreas próximas às lavouras, causando prejuízos ao meio ambiente e às populações?
A aviação agrícola é o tipo de pulverização mais fiscalizada, muito mais até do que as outras tecnologias. Existe um requisito de credenciamento dessas aeronaves em áreas que são fiscalizadas pelo Mapa, pela Anac, pelo Ibama, pelos órgãos estaduais e pelas secretarias estaduais de agricultura, que verificam o uso correto desses produtos.
Ninguém quer jogar produto fora do alvo, em cima do rio ou de um lugar não adequado porque estaria rasgando dinheiro. É claro que, quando existe um mau profissional na aviação agrícola, a capacidade de impacto do que ele está fazendo é muito alta, mais do que o equipamento que está pilotando. Daí a importância da fiscalização. O papel fundamental da fiscalização é valorizar as pessoas que fazem correto e correr atrás de quem faz errado. Esse é um trabalho primordial dos órgãos de fiscalização.
Quais são as formas adotadas atualmente para a conscientização dos produtores quanto ao uso correto de defensivos agrícolas?
Existe toda uma preocupação do Mapa, do Ibama e da Anvisa, em especial desses dois últimos, sobre a autorização de produtos para pequenas propriedades. Sabemos que, nesses casos, o principal meio é o uso do equipamento costal, o qual tem uma exposição maior do aplicador. Toda essa questão da exposição é avaliada durante o processo de registro.
O Mapa tem uma série de atividades para uso correto e seguro de pesticidas, entre elas, o Programa Produção Integrada de Frutas. Outro trabalho que serve como mitigação de uso de pesticida a campo é a defesa vegetal. Estamos trabalhando em uma proposta de decreto para promover o uso correto de pesticidas. Exigiremos cursos de capacitação, com emissão de carteirinha de aplicador.
A Anvisa acaba de aprovar o novo marco regulatório para agrotóxicos. Quais os principais pontos desse marco?
O Brasil está se alinhando ao critério do GHS, que é adotado por mais de 52 países. Havia uma distorção grande da classificação toxicológica brasileira, que levava, por exemplo, a ter produtos classificados como classe 1, porque causava irritação ocular. Nessa classificação, tinha produtos à base de extratos vegetais que eram equiparados a produtos muito mais tóxicos. No novo formato, só ficarão na classe 1 os produtos extremamente tóxicos e que precisam ser utilizados com maior rigor. Antes, a classificação era banalizada. A maioria dos produtos era classe 1 e o governo não era capaz de fornecer informação clara de qual produto era perigoso ou não.
O uso de defensivos biológicos tem crescido. Como o Mapa avalia essa tendência?
O Mapa avalia de forma positiva. Na verdade, isso é fruto de uma política agrícola adotada pelo ministério. Então, quando teve a entrada da Helicoverpa no país, fizemos o registro emergencial de cerca de 45 produtos de origem biológica e microbiológica, entre Bacillus thuringiensis e Baculovírus, que são produtos utilizados para controle dessas lagartas. Momentos de grande dificuldade são também de grandes oportunidades. Conseguimos introduzir a utilização de biológicos nos principais cultivos agrícolas brasileiros, como soja, milho e algodão, que são atacados pela Helicoverpa. Antes, existia uma resistência muito grande dos produtores em adotar o uso dessa tecnologia porque é mais específica e difícil de usar, pois trabalha com produtos vivos. O Mapa tem uma legislação que é referência para todos os países da América Latina e, diria, até das Américas, quanto a produtos biológicos. Um produto de origem biológica chega ao mercado em até um ano e meio, prazo significativamente menor quando comparado aos produtos de origem química.
Por Sandra Mastrogiacomo