Faltam engenheiras agrônomas no mercado de trabalho
A presença de engenheiras agrônomas no mercado de trabalho agropecuário brasileiro aumentou em 2019. Foi o que apontou uma pesquisa feita em fevereiro de 2020 pelo Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada (Cepea).
O levantamento mostrou que 18,3 milhões de brasileiros ocuparam postos de trabalho no setor em 2019. Esse número representa um aumento de 0,8% em relação ao ano passado (ou 145 mil pessoas a mais) e o maior crescimento, está entre as mulheres, 2,02%.
No último censo agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, o aumento da presença delas também foi notada: 1.714.416 mulheres se autodeclararam chefes de um estabelecimento rural, 946 mil como a principal gestora e 817 mil, como cogestoras, ao lado de cônjuges.
A proporção subiu de 12,6% em 2006, quando havia sido realizado o penúltimo censo, para 18,6% em 2017. Segundo o IBGE, elas se declaram produtoras rurais, gerentes ou responsáveis diretas pelas atividades das fazendas.
Para a executive search da Weplace, Sílvia Carvalho, que atua no setor de agronegócios há 15 anos e é engenheira agrônoma, há vários motivos que influenciaram essa mudança, como a demanda por formações acadêmicas mais diversas nas empresas que atuam no agronegócio, a criação de políticas corporativas de equidade de gênero, mentalidade de lideranças mais modernas e até os altos salários pagos para executivos do setor no Brasil.
“O agronegócio no Brasil só não emprega mais mulheres porque a principal formação para atuar no setor, que é a engenharia agronômica, ainda é dominada pelos homens”
Globo Rural – O setor do agronegócio está contratando mais mulheres, como mostram as pesquisas e levantamentos publicados nos últimos anos?
Sílvia Carvalho – Felizmente, sim. Existe uma tendência real de crescimento na participação feminina nas empresas que atuam no agronegócio. A mudança na mentalidade das lideranças colabora para o crescimento do número de contratações de mulheres, assim como políticas corporativas de equidade de gênero e áreas de suporte, que exigem formações diversas, estão absorvendo mais mulheres. As contratações ainda são, em sua maioria, masculinas, mas isso não ocorre por opção das empresas, mas porque a grande maioria dos profissionais agrônomos que chegam ao mercado de trabalho são homens. A área de negócios das empresas que atuam no setor é majoritariamente composta por engenheiros agrônomos e poucas engenheiras agrônomas. Mas isso está mudando.
GR – Em sua opinião, como é possível acelerar essas mudanças nas empresas do agronegócio?
Sílvia – Incentivar e aumentar o número de mulheres nas faculdades de agronomia do país. O número de mulheres formadas em agronomia ainda é pequeno quando comparado aos homens e está crescendo pouco quando olhamos para outros cursos. Na Escola Superior Luiz de Queiroz, (Esalq), em Piracicaba (SP), entre os anos de 2002 e 2019, houve um aumento no total de mulheres que entraram na faculdade, mas o número de matriculadas no curso de engenharia agronômica foi de 30% em 2002 para 36% em 2019. Já o número de matriculadas em engenharia florestal, saltou de 28% em 2002 para 66% em 2019. No campus da Unesp em Jaboticabal (SP), o índice de mulheres que ingressou em agronomia neste ano foi de 21%. É uma proporção muito baixa em relação aos homens.
“As organizações realmente estão colocando em prática a questão da equidade de gênero e valorizando mais as mulheres”
GR – Por que você acha que isso acontece?
Sílvia – Se formos nos aprofundar nas origens dessa desproporção, percebemos que quem opta pelo curso são filhos de agricultores ou de engenheiros agrônomos, com origens no interior do país, onde infelizmente, o machismo ainda é mais arraigado. As mulheres normalmente ingressam na engenharia agronômica por pertencerem a famílias ligadas ao agronegócio e porque se tornarão sucessoras das propriedades rurais. Além disso, a preferência pela vida no campo é fundamental para a escolha.
GR – Mas a agronomia permite que o profissional também trabalhe nas cidades…
Sílvia – Sim, e isso, somado ao sucesso dos negócios no campo, está as motivando mais também. Hoje em dia, o salário de um executivo ou de uma executiva do agronegócio brasileiro é um dos maiores do mundo dentro do setor. Há profissionais mulheres, agrônomas, ganhando muito bem nas empresas ligadas ao agronegócio.
“É inegável que a ascensão feminina no mercado de trabalho mudou o jeito de fazer negócio”
GR – Dentro das empresas que atuam no setor, as contratações femininas são para quais vagas?
Sílvia – As contratações de mulheres ainda se concentram mais na base da pirâmide e em média gerência. Neste patamar, estamos observando uma tendência de que, ano após ano, a média gerência passe pelo desafio da maternidade e ocupe posições de diretoria, revertendo a situação de dominância que temos atualmente no topo das organizações. Com as políticas de equidade de gênero sendo postas em prática, as flexibilizações feitas para que as desistências de mulheres após a maternidade diminuam, podemos ser otimistas e dizer que este número tende a crescer.
GR – Com a implementação das políticas corporativas de equidade de gênero, o mercado agro, de um modo geral, está mudando?
Sílvia – É inegável que a ascensão feminina no mercado de trabalho mudou o jeito de fazer negócio. Adicionar a mulher nesta equação oxigena o mercado e melhora o comportamento geral, os processos e a comunicação. A sensibilidade da mulher soma aos negócios, e isso tem um resultado positivo. Isso certamente está mudando o cenário do campo e terá um papel bastante importante no futuro, com impacto relevante na empregabilidade da mulher nas fronteiras agrícolas, onde estão os maiores players da produção agrícola. Muitas organizações estão sendo lideradas por mulheres.
“Existem duas vertentes cruciais para que esta profissional se destaque: a consistência e a sensibilidade”
GR – Quais as principais qualificações que elas devem ter para assumir um cargo de diretoria em uma empresa do setor?
Sílvia – Como qualquer profissional que pretende chegar aos níveis mais altos das organizações, é preciso ter uma visão estratégica, conhecimento do mercado e inovação tecnológica. Essas são competências essenciais para atuar em cargos de liderança no setor. Existem duas vertentes cruciais para que esta profissional se destaque: a consistência e a sensibilidade. A consistência é o foco nos negócios, com orientação a resultados e clientes. Já a sensibilidade envolve o relacionamento institucional, a comunicação e a habilidade na resolução de conflitos. A mulher é muito cobrada por resultados, mas a empatia e capacidade de entender e reagir a mudanças é um dom natural e intrínseco que traz resultados que impactam as pessoas e os negócios.
GR – Além das organizações que estão implementando políticas de equidade de gênero, há casos de empresas que preferem contratar mulheres ao invés de homens?
Sílvia – Sim, existem, e não é de hoje. Em 2010, eu atendia um grande player da indústria de defensivos químicos que aplicava um acelerador nos meus honorários caso os profissionais recrutados fossem mulheres. As organizações realmente estão colocando em prática a questão da equidade de gênero e valorizando mais as mulheres. Há empresas que têm preferência pela contratação feminina, mas também é preciso ser imparcial para contratar o profissional.
Fonte: Globo Rural
Foto: Sílvia Carvalho, engenheira agrônoma e executive search da Weplace (Foto: Divulgação)