Gestão da arborização urbana
A Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (AEASP) realizou, em 3 de setembro de 2019, o debate técnico Gestão da Arborização Urbana, no auditório do Crea-SP, na capital paulista.
Os engenheiros agrônomos Jorge Sakai, Joaquim Teotônio Cavalcanti Neto, Marcelo Leão, Rodolfo Geiser e Ricardo Viegas de Carvalho foram convidados para debater o tema sob diversos aspectos.
Ao abrir o evento, o presidente da AEASP, João Sereno Lammel, agradeceu aos organizadores e apoiadores, Crea-SP e Mutua, e também a presença dos participantes – muitos vieram do interior e do litoral do Estado. Ele destacou a importância de a AEASP oferecer aos engenheiros agrônomos a oportunidade de aprendizado por meio de debates técnicos e de outras iniciativas que visam à troca de conhecimento sobre temas concernentes à atividade agronômica.
O debate foi organizado pelos diretores da AEASP, Nelson Matheus e Tais Tostes Graziano. Eles entendem que a gestão da arborização urbana é um tema de suma importância para a sociedade e que os profissionais da agronomia têm muito a contribuir.
Se antes as árvores só eram pensadas em áreas de florestas, hoje são imprescindíveis nas zonas urbanas. Embora a presença delas nas cidades remonte ao século 17, com as alamedas e praças de Londres e Paris, foi a preocupação da sociedade moderna com a sustentabilidade ambiental que deu centralidade ao tema das árvores urbanas.
Hoje, sabe-se que elas desempenham funções essenciais como o controle da temperatura e da erosão, aumento da umidade do ar, melhora da qualidade da água dos mananciais, manutenção da biodiversidade, especialmente da avifauna, além de produzirem frutos, sementes, madeira, resinas e outros produtos.
Entretanto, a convivência harmoniosa entre os indivíduos arbóreos e o meio ambiente urbano exige estudo, planejamento e manutenção adequados. São muitos os cuidados na implantação das árvores. O engenheiro agrônomo Jorge Sakai, ganhador da Medalha Joaquim Eugênio de Lima em 2018, prêmio da AEASP para engenheiros agrônomos que se destacam no paisagismo, falou sobre o assunto.
Profundo conhecedor das espécies vegetais, Sakai ressaltou quão importante é, para os profissionais que lidam com o manejo arbóreo, conhecer as espécies e também os viveiros da cidade, além de trocar informações com os colegas de outras localidades.
“É preciso trocar informações entre as prefeituras. As prefeituras do interior, por exemplo, usam muito plantas nativas e elas têm crescimento mais rápido porque têm menos interferência, quando em seu habitat natural, que nas grandes cidades”, comentou.
Ele também sugeriu a formação de grupos entre os técnicos para troca de informações e que os profissionais das prefeituras tenham mais subsídios para executar seu trabalho. Destacou ainda a necessidade de se investir cada vez mais em educação ambiental nas escolas para que as crianças cresçam sabendo do valor das árvores.
Responsável pela execução de grandes projetos, Sakai é incisivo ao afirmar que, quando se trata de podas e transplantes, “só mexo em árvores grandes no inverno, pois a perda é baixíssima”. O profissional diz que também não planta se não houver espaço suficiente para a árvore crescer. “Não é justo.”
Ao descrever as dificuldades para o manejo urbano dos indivíduos arbóreos, ele diz que é favorável a que sejam feitos os canteiros – dependendo da calçada e da dimensão – em vez de se fazer só a cova. “(…) Se fizermos um plantio de herbáceas, elas vão embelezar a cidade e direcionar os pedestres para atravessarem só na faixa. É outra forma de contribuição da vegetação”, resume.
Mitigação de riscos
A queda de árvores tem se tornado um grande problema na capital paulista. Somente nos três primeiros meses de 2019, conforme dados da prefeitura, 3.153 delas despencaram, com graves consequências, com pessoas sendo atingidas e, em alguns casos, mortas, além do prejuízo ambiental e material. Somente no primeiro trimestre do ano, caíram mais espécimes que em todo o ano de 2014 e 2015.
Nesse contexto, medidas de mitigação de riscos e celeridade de processos são ainda mais necessárias. O engenheiro Joaquim Teotônio Cavalcanti Neto abordou essa questão. Especialista em arboricultura, ele diz que a queda sempre tem a ver com o processo de biodeterioração, um apodrecimento e uma redução da área radicular. “A área radicular é sempre muito pequena em relação ao tamanho da copa.”
O profissional observa a falta de cuidados em relação às árvores na cidade de São Paulo. “Não existe um olhar atento para verificar o que é que ela tem, do que precisa e o que precisa ser feito, quais ferramentas e quais técnicas devem ser utilizadas. Além de elas terem pouca raiz em relação à copa, existe a falta de operações e avaliações adequadas para que se faça aquilo de que ela precisa”, analisa Cavalcanti.
O uso de sistemas informatizados na gestão de riscos também é imprescindível para dar mais eficiência aos procedimentos e evitar as ocorrências.
O engenheiro agrônomo Marcelo Leão apresentou um software para avaliação e mapeamento do risco de queda de árvores em áreas urbanas, desenvolvido por sua empresa, que tem como objetivo reconhecer as árvores que vão cair, prevendo as ações de manejo para seu controle. “Para isso, temos usado inteligência artificial e uma série de outras ferramentas, como Machine Learning”, salienta.
Leão relata que o diagnóstico sobre o destino das árvores e a tomada de decisão pelos gestores públicos possui “alto grau de subjetividade”. Isto foi constatado em uma pesquisa realizada por sua empresa em mais de 200 municípios paulistas. “A grande maioria ainda usa a prancheta e o papel e baseia as ações de manejo em análise visual dos exemplares.”
Para resolver esse problema, o engenheiro agrônomo adotou como modelo um método de avaliação reconhecido internacionalmente, denominado Visual Tree Assessment (VTA), adaptado às condições ambientais no Brasil.
Com a criação de seu software, Leão foi um dos vencedores do Prêmio Dorothy Stang de Humanidade, Tecnologia e Natureza 2019. O profissional assegura que a tecnologia é muito intuitiva e de fácil uso. “Tem todos os quesitos de quem trabalha na gestão pública e lida com uma série de falta de recursos operacionais. Todo o projeto foi desenvolvido olhando para o gestor público, que tem a dura responsabilidade de tirar ou manter uma árvore. Acreditamos que ao usar essa ferramenta, que foi pensada para prefeituras, portanto, de baixo custo de implantação e baixo custo de manutenção, rapidamente teremos respostas diferentes das que estamos tendo nos dias de hoje, com tantas quedas de árvores em nossas cidades”, conclui.
Em sua palestra, Rodolfo Geiser, um dos engenheiros agrônomos pioneiros na área de paisagismo no Brasil, denunciou a falta de cuidado da cidade de São Paulo com árvores bicentenárias, como a famosa figueira da Estrada das Lágrimas, na zona sul da capital, que, segundo ele, está tendo seu entorno cimentado. Em contraponto apresentou fotos que mostram o zelo que a Alemanha tem para com sua população arbórea.
Ele reforçou a necessidade de se escolher adequadamente as espécies a serem plantadas e disse que, nos lotes estreitos e calçadas quase nulas da capital paulista, ele não vê muitas opções para serem plantadas. Outro ponto levantado foi a literatura dedicada às espécies arbóreas nativas, que, segundo ele, é reduzida. “Eu sinto falta de informação técnica.” No entanto, o paisagista elogiou o trabalho feito pelo Instituto de Botânica (IBot) de São Paulo, que catalogou as espécies nativas do Estado.
No tocante ao cadastro das árvores, para Geiser, alguns aspectos devem ser considerados, tais como diâmetro, altura, rupturas, danos nos caules, assimetria, deformação das folhas, crescimento desequilibrado dos galhos e resina escorrendo. “Para uma árvore que já está com mais de dez anos, os pontos fundamentais a se anotar são: conformação da copa, do caule e área da raiz”, orientou.
Ao final, Geiser fez um alerta para a importância da preservação ambiental. “A Alemanha é um dos cinco maiores países capitalistas do mundo, mas lá o meio ambiente é preservado para valer”, sintetizou.
Complexidades da administração
O serviço de poda de árvore é o quarto mais procurado na capital paulista, seguido dos pedidos de tapa-buraco (78.979); serviço de abordagem para pessoas em situação de rua (57.417), e pedidos de cartão de estacionamento de idoso (37.942).
De acordo com a prefeitura, em 2018, foram feitas quase 90 mil podas em árvores e quase 12 mil remoções. No total, 100 equipes que trabalham em parceria com a Enel, antiga Eletropaulo, identificando se a responsabilidade pela poda é da concessionária ou da prefeitura. No mesmo ano, o número total de pedidos de poda pelo 156 da prefeitura foi de 51 mil.
O processo para a realização de poda ou supressão leva, em média, quatro meses. Mas há casos em que as pessoas que solicitaram o serviço, mesmo seguindo todos os protocolos, aguardam há mais de um ano.
A estimativa é de que haja 650 mil árvores nas ruas da cidade, sem contar as dos parques. E parte delas vive em condições desfavoráveis, propensas a quedas.
Um dos principais motivos para a demora no atendimento desse tipo de chamado, de acordo com especialistas, é o fato de o processo de avaliação e autorização para os serviços de poda e remoção estar inteiramente submetido ao poder público, mesmo nos casos de propriedades privadas. Se houver uma árvore prestes a cair em um terreno particular, o proprietário depende de avaliação e autorização da prefeitura para executar qualquer tipo de manejo. Essa determinação consta da Lei nª 10.365 de 1987 e quem a desrespeita comete crime ambiental.
O engenheiro agrônomo Ricardo Viegas de Carvalho, secretário-adjunto Municipal do Verde de São Paulo, diz que o poder público precisa contar com a sociedade civil organizada e o setor privado para diminuir os problemas decorrentes da centralização da gestão das árvores no município.
Carvalho é favorável a alterações na legislação atua que, segundo ele, está desatualizada e defende o Projeto de Lei nº 385/2019, que autoriza o trabalho de terceiros na poda e remoção de árvores em áreas privadas. “Não é concebível a prefeitura de São Paulo ficar interferindo dentro de uma área privada”, diz.
Porém, ele ressalva que, nesse caso, os cidadãos não estariam liberados para fazer o que quisessem com as árvores. “A execução de poda e supressão poderá ser feita por terceiros, mas, se houver procedimento fora do padrão, haverá punição. O Estado criaria um autodeclaratório que seria assinado pelo profissional responsável. A prefeitura atuará mais na fiscalização do que na autorização, assim como é feito o imposto de renda, onde a população faz sua declaração e o poder público fiscaliza. Mas não vamos abrir mão da cobertura vegetal”, afirma Carvalho.
Joaquim Teotônio Cavalcanti Neto também entende que para mitigar o problema da queda de árvores na capital é preciso liberar os profissionais cadastrados na prefeitura para atuar no manejo arbóreo.
“Que se dê fé ao laudo emitido por eles, para que o técnico da prefeitura não tenha que, ele mesmo, ir até a árvore para vê-la. Chegou o laudo do profissional, a prefeitura acredita naquilo que ele escreveu, porque está lá a assinatura dele, está lá a ART dele, o recolhimento feito. Então, o processo ocorrerá em um tempo muito menor. Obviamente ninguém está falando em cortar por cortar ou podar por podar, mas dentro da necessidade que está disposta, dentro do laudo técnico, do diagnóstico, do relatório técnico feito pelo profissional. Se for constatado que foi feita alguma coisa errada, que o profissional seja autuado”, salienta Cavalcanti.
No que tange a validade dos laudos técnicos encaminhados para a prefeitura, uma questão levantada no debate técnico promovido pela AEASP foi a possibilidade de envio de laudos por profissionais do sistema Crea que não possuem competência para atuar no ramo arbóreo. A diretora da AEASP Tais Tostes Graziano, que também é conselheira da Câmara Especializada de Agronomia do Crea-SP, diz que, nesse caso, é recomendável encaminhar uma denúncia ao Crea, que fará a averiguação e, se comprovada a acusação, o profissional poderá sofrer sanções pelo órgão.
Angelo Petto Neto, ex-presidente da AEASP e da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, completou dizendo que o exercício ilegal da profissão é considerado “apenas” como contravenção pela legislação brasileira. Há projetos de lei, como o de nº 6699/02, em tramitação no Congresso Nacional há anos, que acrescentam ao Código Penal o crime de exercício ilegal das profissões de engenheiro, agrônomo e arquiteto.
Além de mudanças na legislação, há outros desafios para a gestão da arborização urbana na capital paulista. O Plano de Arborização Urbana é o principal, pois sem ele não é possível definir estratégias de atuação. Previsto no Plano Diretor do município de 2014, está sendo elaborado e a meta é que até junho de 2020 esteja pronto.
“Temos 32 subprefeituras e cada uma tem um Conselho de Desenvolvimento Sustentável, formado por várias pessoas da comunidade. Estamos organizando reuniões nas subprefeituras para colher informações para subsidiar uma estratégia com relação ao programa municipal de arborização urbana. Fazemos audiências públicas, debates técnicos e contamos com o apoio institucional da USP, do IPT e da comunidade acadêmica, que está sendo ouvida”, comentou o secretário-adjunto do Verde.
Carvalho também informa que está sendo feito um mapeamento das áreas verdes da cidade, espaços públicos e privados, com previsão para ser entregue neste mês de outubro. “Se a gente respeitar o que está no plano diretor da cidade, estabelecendo planos de execução, vamos avançar muito. O cenário é extremamente positivo”, conclui o engenheiro agrônomo.
Ano | Nº de árvores que caíram em São Paulo |
2014 | 2.252 |
2015 | 2.847 |
2016 | 3.282 |
2017 | 3.611 |
2018 | 4.447 |
2019 | 3.153 (até março) |
Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo
Por Adriana Ferreira