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Os jardins botânicos e zoobotânicos

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Os jardins botânicos e zoobotânicos

15 de jul de 2022 Artigos

Espaços resultantes da relação ancestral dos homens com a natureza  

 *Dr. Renato Ferraz de Arruda Veiga  

 A denominação “biofilia” (do grego bios, vida; e philia, amor, afeição) utilizada por Eduard Wilson (1984) trata da ligação emocional inata do ser humano com os demais organismos vivos e com a natureza. A “domesticação” das espécies animais e vegetais, em parte, também é uma prova de ligação emocional entre o ser humano e os demais seres vivos. O tema nos remete à nossa origem, quando a Terra se formou, há cerca de 4,6 bilhões de anos, vindo a seguir os seres vivos há 3,8 bilhões de anos, aproximadamente.  

É relevante o hábito histórico do ser humano de “colecionar” plantas e animais, que principiou com as plantas domesticadas agrícolas para compor seus jardins, do hebreu “gan”, que significa proteger, defender; e “éden”, que significa prazer.   

O homem também trouxe para dentro de sua casa os animais, por prazer e estímulo aos sentidos, levando-os à “coevolução”, que é a evolução com dependência de ambas as partes. Assim se iniciaram os jardins botânicos e zoobotânicos, em princípio, ao se detectar o benefício das ervas e plantas medicinais, para tratar a saúde física e mental, valendo o mesmo para os animais. 

Carvalho & Veiga (2009) citam que os jardins podem apresentar estilos distintos (orientais, europeus, etc., ou medicinais, agrícolas, etc., ou romântico, rococó, etc., dentre outros). Inseridos nos JB e JZB, acrescentam-se os animais nativos e exóticos, neste último, taxonomicamente identificados, catalogados por origem, habitat e usos e expostos aos visitantes. Ou seja, são instituições de pesquisa científica, onde há especialistas realizando seus trabalhos em laboratórios, casas-de-vegetação, campo e na natureza. 

Como os jardins botânicos e zoobotânicos ocupam grandes áreas, se restringe parte dessa área às instalações de pesquisa, liberando comumente somente seus jardins e estruturas, com animais já adaptados, muitas vezes acompanhados por monitores treinados.  

Outra área restrita é a de vegetação nativa preservada, a qual é reservada aos estudos da flora e fauna regional. Esporadicamente são abertas trilhas com monitoria para a finalidade de educação ambiental, inerente à atividade dos JB e JZB. 

Nossos jardins botânicos e zoobotânicos  

O Botanic Gardens Conservation International (BGCI)define jardins botânicos como “instituições que mantêm coleções documentadas de plantas vivas para fins de pesquisa científica, conservação, exibição e educação”. Tal definição é incompleta, pois, se considerarmos os jardins zoobotâncos, ela não contempla os “animais vivos”, nem as coleções de referência (herbários e museus) “sem vida”. Eu acrescentaria a palavra “preservação”, para o germoplasma in situ, já que conservação se refere mais ao ex situ 

Lembro que temos os Bancos Ativos de Germoplasma (BAG), armazenadores de germoplasma in vivo, sem descarte, com variabilidade representativa do gênero ou espécie, com plantios para caracterização no campo e com intercâmbio. Também cito os “Bancos Base de Germoplasma (BBG), que conservam germoplasma por longo prazo, a frio, em criogenia e in vitro), o que os diferem da coleção que realiza descartes e é mais reduzida em diversidade. Falta ainda a palavra lazer, uma das principais motivações às visitações.  

Assim, tomo a liberdade de sugerir outra definição: instituições que mantêm coleções e/ou bancos ativos de germoplasma e banco base, para fins de pesquisa científica, conservação ex situ, preservação in situ, educação, exibição e lazer. 

Esses espaços têm grande importância, já que são instituições que estudam e praticam a educação ambiental com o ensino de técnicas oriundas das próprias pesquisas científicas realizadas por suas equipes. 

Deste modo, os visitantes recebem diariamente conhecimentos essenciais sobre as plantas e animais, bem como das técnicas desenvolvidas para sua conservação e preservação e desfrutam da beleza desses locais. 

Há que se dizer que não existe um JB e/ou JZB brasileiro típico, já que nossos colonizadores nos impuseram os seus costumes e cultura, e também por sermos historicamente um país novo.  

Segundo Veiga et al. (2003), nossos JB seguiram, de certa forma, a experiência dos jardins holandeses e portugueses, no período do século 17 até o início do século 20. Os jardins brasileiros, na segunda metade do século 19, tiveram forte influência do paisagista francês Auguste Marie François Glaziou, que introduziu o romantismo e o jardim pitoresco, implantando vários jardins e parques públicos na cidade do Rio de Janeiro.  

E, em meados de 1930, destaca-se a atuação do paisagista Atílio Correa Lima, com o movimento renovador. Mais tarde, surge o saudoso Roberto Burle Marx, que fez história e discípulos, como o engenheiro agrônomo dr. Luís Antonio Ferraz Matthes, aposentado do IAC e Medalha “Joaquim Eugênio de Lima” da AEASP, em 2020, com seus jardins que imitam a natureza, com toda a variabilidade nativa brasileira. Portanto, pode-se dizer que existe sim um jardim típico brasileiro nos jardins botânicos. 

Segundo Veiga et al. (2003), no Brasil, o nosso primeiro foi um jardim zoobotânico, do século 17 (1600 a 1645), criado pelo holandês Maurício de Nassau, na ilha de Antônio Vaz, atual bairro de Santo Antônio, em Recife (PE). Porém, com a Insurreição Pernambucana, em 1645, Maurício retornou para a Holanda com todas as espécies de árvores e animais que colecionava.  

O segundo relatório nacional para a conservação sobre a diversidade biológica, de 1999, registrou 36 jardins botânicos brasileiros, posteriormente Veiga & Steck (2017) citaram 85 jardins botânicos (em 23 Estados e DF).  

Destaca-se que os jardins botânicos mais antigos em atividade no Brasil são os do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, criado em 1808, considerado um dos principais jardins botânicos do mundo; e o do Jardim Botânico de São Paulo, criado em 1930. Até recentemente, o Jardim Botânico paulista estava sob a responsabilidade do Instituto de Botânica, mas foi entregue pelo governo estadual ao Consórcio Reserva Paulista, que venceu a concessão para explorar o Zoológico e o Jardim Botânico por 30 anos.  

Além desses dois, ainda merecem destaque outros três, pelo seu conceito A, obtido no extinto Conama: o Jardim Botânico da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre; o Jardim Botânico de Brasília; e o Jardim Botânico de Recife.  

Mesmo jovem, o Brasil tem muita história para contar quando se trata de jardim botânico e jardim zoobotânico e o crescimento no número de jardins botânicos, nos últimos anos, mostra o despertar para o tema ambiental. Porém, esse aumento ainda não se reflete em qualidade, sendo difícil atuar sem os quesitos de avaliação do Conama (Resolução n° 339, de 25 de setembro de 2003), bem como sem a garantia dos recursos para que novos jardins possam sobreviver.  

A Rede Brasileira de Jardins Botânicos (RBJB) vem se reestruturando, mesmo sem recursos financeiros, para retomar os trabalhos no pós-pandemia e continuar auxiliando tanto jardim botânico como jardim zoobotânico, já que o surto de coronavírus atingiu o calcanhar de Aquiles desses locais: a visitação. 

 

*Renato Ferraz é engenheiro agrônomo aposentado do IAC e diretor administrativo da Fundag  

Crédito da foto: Renato Ferraz

*Artigo publicado originalmente no JEA 319