Programa de Regularização Ambiental tarda; será que falha?
Considerando a edição do Código Florestal, Lei nº 12.651/12, há quase uma década, surpreende dizer que resta ainda quase inaplicável. De fato, em um momento que ficou insustentável a cobrança das restrições ambientais sobre os cidadãos, especialmente os proprietários e possuidores rurais, foi editada essa lei, que seria de “pacificação” dos conflitos ambientais, estabelecendo pressupostos de convergência entre produção e preservação ambiental.
O Código Florestal de 2012 não foi disruptivo. Pelo contrário, estabeleceu com melhor clareza do que a legislação anterior diversos pressupostos das obrigações ambientais para os proprietários e possuidores de imóveis rurais, especialmente sua responsabilidade plena e objetiva pela manutenção de vegetação nativa em espaços especialmente protegidos. Assim, consolidou-se o Código Florestal não como uma lei ambiental, ou de sustentabilidade, mas uma lei territorial, de planejamento e adequação de espaços e paisagens. Dessa forma, duas foram as principais diretrizes da Lei aprovada em 2012.
Em primeiro lugar, a Lei buscou reafirmar, estabelecendo de forma mais clara, direta e bem definida, a necessidade de manutenção, em propriedades privadas, de áreas de proteção ambiental – APPs. O objetivo era proteger de modo absoluto ambientes ecologicamente importantes ou frágeis; e Reservas Legais, para assegurar a biodiversidade dos quatro biomas brasileiros reconhecidos por Lei.
Em segundo lugar, buscou estabelecer regras de transição, contemplando as situações em que de fato os espaços definidos pela Lei como protegidos já estivessem desmatados ou degradados em virtude da inexistência, invalidade ou ineficácia da legislação anterior. Nesse sentido é que foram estabelecidas as áreas rurais consolidadas, excetuadas da proteção legal e da obrigação de recomposição, além dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) para que pudessem as mesmas serem recuperadas, para readquirir função ecológica.
É por conta dessa iniciativa louvável de definir com clareza as regras do jogo e estabelecer uma regra de transição que a Lei Florestal foi concebida e gerida em calorosos debates no Congresso Nacional como uma Lei de pacificação nacional. É conhecido que ambientalistas, inclusive com a conivência ou participação de órgãos do Estado, exigiam mais do que a Lei previa; e que ruralistas muitas vezes ignoravam a Lei, ou não tinham qualquer incentivo para o seu cumprimento.
Nesses últimos oito anos (praticamente), esse processo de pacificação se decantou. Em primeiro lugar, os ambientalistas, revoltosos da aprovação de regras que entendiam mais brandas quanto à proteção ambiental e que anistiavam desmatamento anterior sob a rubrica de áreas consolidadas, tiveram suas pretensões rejeitadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme acórdão publicado em 2019, o
Congresso Nacional agiu dentro de suas atribuições ao reformar a lei ambiental, sendo absoluto o preceito da soberania democrática.
O julgamento pelo STF foi importante para dissolver os impasses que se mantiveram após a tramitação legislativa, mas não suficiente para que se abrisse caminho para a plena implementação do Código Florestal. Sobretudo para as áreas já ocupadas, resta ainda concluir os Programas de Regularização Ambiental – PRAs. No Estado de São Paulo, por exemplo, o PRA foi estabelecido pela Lei nº 15.684/15, em abril de 2015. Essa Lei, no entanto, foi questionada no Poder Judiciário e ficou suspensa. Somente em 5 de junho de 2019 mais essa divergência foi dirimida com afastamento da maior parte dos pontos impugnados na Lei.
Não há dúvida de que essa cronologia de soluções coloca em dúvida o sucesso da legislação ambiental e, especialmente, do Programa de Regularização Ambiental, que até hoje não se implementou ou se regulamentou. Se a questão envolvida fosse a preservação de ecossistemas em risco, essa solução tardia falharia nos seus objetivos. Como a ideia do Código Florestal é outra, de restabelecer a paisagem e a dinâmica territorial do país, a partir de um planejamento que nunca houve desde o descobrimento, temos mais 520 anos para implementar a legislação.
* Francisco de Godoy Bueno é vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira. Advogado. Sócio do Bueno, Mesquita e Advogados