Uma perspectiva histórica
A conservação do solo iniciou-se no Brasil concomitantemente com o início da mecanização agrícola. Com propósito de modernizar a agricultura, passando da agricultura de subsistência para a comercial e, como não se faz agricultura comercial, em escala, sem áreas de terras agricultáveis, houve necessidade da abertura destas com a derrubada das florestas e a consequente mecanização.
A mecanização agrícola no Brasil, até a década de 1940, praticamente inexistia, era restrita a alguns segmentos da indústria açucareira, plantadores de arroz do Rio Grande do Sul em terrenos já desbravados, produtores de café e pecuaristas, que procuravam modernizar, introduzir e seguir métodos racionais de produção, pois a agricultura praticada à época não se preocupava com conservação do solo e assim exauriam e degradavam a terra pela erosão, causando o extermínio da flora, fauna e das nascentes e pequenos cursos d’água. Essas terras eram abandonadas e outras áreas, desmatadas, para dar sequência a esse ciclo degradador. Em 1948, surgiu a mecanização agrícola, com a criação da Empresa de Mecanização Agrícola S/A – EMA (Stanley Virgilio, 2003).
Nesse contexto, a conservação do solo no Brasil não é uma coisa nova. No Instituto Agronômico de Campinas, em 1943, iniciaram-se os trabalhos na Seção de Conservação do Solo, subordinada à Divisão de Solos do IAC sob chefia do pesquisador Dr. Quintiliano de Avellar Marques e o Dr. José Bertoni, que deram continuidade aos trabalhos e que, juntamente com o Dr. Francisco Lombardi Neto, desenvolveram importantes pesquisas e produtos sobre conservação do solo. Muitas dessas propostas, como é o caso do terraceamento agrícola, até hoje são utilizadas no Brasil e que, somadas a outras práticas conservacionistas, minimizaram as perdas de solo, preservando nosso solo, o meio ambiente e a água.
A prática conservacionista, terraceamento agrícola, no início foi considerada pelos usuários como sinônimo de conservação do solo no Brasil. No Estado de São Paulo, essa prática foi levada aos agricultores por meio da Empresa de Mecanização Agrícola e, posteriormente, pelo Departamento de Engenharia e Mecânica da Agricultura (Dema), da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo (SAA-SP), que mais tarde deu origem à Cati, hoje Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável, fundada em 1967, e idealizada para ser uma empresa de referência e modelo de extensão para o mundo, com foco em Conservação do Solo.
Em 1998, foi criada a Coordenadoria de Defesa Agropecuária, da SAA-SP, que ficou com a competência da aplicação da Lei Estadual nº 6.171/88, que dispõe sobre Uso, Conservação e Preservação do Solo Agrícola e tornou-se a guardiã do solo agrícola. A Defesa vem desenvolvendo a atividade de fiscalização do uso e conservação do solo há mais de 20 anos, com importantes resultados de recuperação de áreas degradadas, preservando o solo e protegendo os mananciais, realizando um importante trabalho de cuidar do bem estar da sociedade que se alimenta dos produtos agrícolas e utiliza essas águas para abastecimento público e produção agrícola.
Nos dias atuais, temos um novo sinônimo de conservação do solo, o plantio direto, que não deixa de ser uma excelente prática conservacionista, mas somente quando está aliada a outras práticas, dando origem a um sistema conservacionista. Outra ferramenta importante na conservação do solo diz respeito à Classe de Capacidade de Uso da Terra (Lepsch et al., 2015), que, se realizado, reduz a erosão e degradação do solo ao mínimo possível.
Os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são os que mais adotaram o plantio direto. No início dos anos 1970, no Paraná, foi trazido para o Brasil por Herbert Bartz e protagonizado pelo próprio Bartz em Rolândia (1972) e por Manoel Henrique Pereira (Nonô Pereira) e Franke Dijkstra, na região dos Campos Gerais, em 1976.
Inicialmente, o plantio direto era feito com a sistematização do terreno, construção ou reparo dos terraços, descompactação do solo, calagem em profundidade, adubação e controle das plantas daninhas. A partir daí, tem início a formação da palhada pelo resíduo da cultura anterior e não há mais o preparo de solo, só se utiliza herbicida para controle das plantas daninhas.
No caso, havia uma rotação de culturas (soja, milho, trigo, aveia) e todo esse contexto originava o sistema de plantio direto na palha. Muitos questionaram se o sistema funcionaria na região de cerrado, ou seja, o Centro-Oeste, e no Triângulo Mineiro. Tal questionamento foi desmistificado pelo engenheiro agrícola John Landers, que desenvolveu o plantio direto, inicialmente em Morrinhos (GO) e posteriormente difundido pelo Centro-Oeste. Na região Norte e Nordeste, o plantio direto está sendo utilizado com sucesso nos Estados de Tocantins, Bahia, Maranhão e Piauí.
Os programas estaduais de microbacias hidrográficas, realizados nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em parceria com o Banco Mundial, foram muito importantes para a conservação do solo, melhoria da qualidade de vida dos agricultores, além da geração de pesquisas para aprimorar a conservação do solo e da água.
Nos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grasso do Sul, Goiás e Minas Gerais, o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta está transformando áreas outrora degradadas em produtivas e conservacionistas. Essa modalidade consiste na utilização de gramíneas (brachiárias, na maior parte), junto com o plantio de alguma cultura de ciclo anual (milho, soja, milheto, etc.) isso com o objetivo de reformar essas pastagens degradadas e transformá-las em áreas produtivas, aumentando sua taxa de ocupação. Isso está tendo muito sucesso, pois os valores obtidos com a comercialização dos grãos colhidos pagam os custos da reforma da pastagem, um sistema ganha/ganha.
Com todos esses exemplos históricos, positivos e negativos, temos muito a aprender sobre a conservação do solo. O conceito de Agricultura Conservacionista, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, se apresenta como o mais coerente conceito a ser adotado, pois abrange todos os sistemas conservacionistas em um só. Esse é o futuro para a nossa pujante agricultura em termos de sustentabilidade.
Engenheiro agrônomo doutor Oswaldo Julio Vischi Filho